Sexta, 16 de janeiro de 2015
Do IHU
Instituto Humanitas Unisinos
A nova composição da
equipe econômica do governo Dilma Rousseff e os ajustes já anunciados não são
considerados traição, mas uma capitulação diante das pressões do mercado diz
Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos 1.334 economistas que assinaram durante as
eleições manifesto pró-Dilma e a favor do desenvolvimento econômico com
distribuição de renda.
A entrevista é de
Flavia Lima, publicada pelo jornal Valor, 16-01-2015.
Diante dos cortes já
anunciados, Belluzzo - que era visto como um interlocutor da presidente, mas
que, nos últimos tempos, tem dito que ocupa mais o papel de um amigo - enxerga
pela frente um período de recessão, turbinado pela redução da capacidade de
empréstimos do BNDES e pelos problemas da Petrobras.
Ao ser questionado
sobre o que fazer, ele diz que dá para dizer o que não fazer: "Um ajuste
fiscal dessa magnitude", diz o professor da Unicamp e da Facamp. Para ele,
a questão central a ser discutida é a perda de posição da indústria brasileira
nos últimos trinta anos, algo que tem chance "zero" de ser levado em
consideração pelo ministro JoaquimLevy. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
Eis a entrevista.
O sr. e um grupo de
economistas de perfil heterodoxo assinaram manifesto em apoio à Dilma, que
dizia que a população desaprovava políticas que afetavam os trabalhadores.
Diante da política econômica atual, o sr. se sente traído?
Não considero uma
traição e sim, submissão. Ela capitulou diante das pressões do mercado, assim
como os líderes europeus e uma parte do PT. Mas, antes mesmo disso, o debate
ficou muito restrito a uma tolice 'liberaloide' acerca do intervencionismo. Eu
me recuso a discutir isso porque não conheço nenhuma economia no mundo que não
tenha intervenções. A partir dessa interpretação, o mercado exagerou o problema
do desequilíbrio fiscal e passou a dizer que o BC foi leniente com a política
de metas. Sendo que muitos dos que estavam criticando causaram o maior dano
possível à economia brasileira ao usar o câmbio para aplacar a inflação. Mas
quando o Bacha [o economista Edmar Bacha] fala do FHC faz uma água turva para
esconder que o problema começou com a política econômica dita de estabilização,
que segurou a inflação, mas causou danos estruturais à economia. Agora eles
dizem que é preciso abrir a economia.
O sr. discorda disso?
É preciso abrir com
uma política que favoreça a aquisição de insumo e de peças e componentes, mas
dê estímulo à exportação ou à produção doméstica - e a taxa de câmbio pode
fazer isso. Quem foi cúmplice de uma valorização cambial prolongada e danosa
não pode deixar de considerar os equívocos que cometeu. Agora a economia está
caminhando para a recessão, não há dúvida.
Por quê?
Quando o ciclo de
consumo dos duráveis começou a desacelerar, o governo tinha que ter estimulado
o investimento privado. E isso demorou. Ao mesmo tempo, não é verdade que a
crise internacional não tenha contribuído, ela adicionou problemas à indústria.
Quando terminou o ciclo de commodities o Brasil perdeu dos dois lados: pela
demanda externa e pela dinâmica interna de consumo e, então, a economia
resvalou para o crescimento baixo e está caminhando para a recessão.
E o que fazer?
Com certeza, dá para
dizer o que não fazer: um ajuste fiscal dessa magnitude. Porque querer
reequilibrar a economia com um superávit fiscal quando ela está em recessão
parece um desatino. Isso para não falar dos problemas da Petrobras e das
empreiteiras.
A Petrobras vai
contribuir para esse cenário de recessão?
Esse setor tem
participação grande na formação da taxa de investimento. É preciso prender os
que cometeram crimes, mas preservar as estruturas. Se tiver um colapso, teremos
repercussão no sistema bancário. Hoje o crédito se retraiu para esse setor.
Junta-se isso com a tentativa de reequilibrar a economia. O que está na cabeça
'deles' é tentar reequilibrar a economia com o aumento da poupança do governo.
Acho que vai ser a maior prova de que essas teorias da poupança não funcionam:
não é possível poupar com renda em queda. Mas eles precisam justificar o fato
de que é a poupança que financia o investimento, o que é uma brutalidade. Todo
mundo sabe que numa economia moderna quem financia o investimento é quem adianta
os recursos líquidos. E eles vêm com essa história da poupança. É um misto de
estupidez com picaretagem. Para eles, o cara enriquece porque poupou. Não, o
cara enriquece porque investiu, produziu para enriquecimento dele e da
sociedade. Quem poupa subtrai da renda e reserva isso como riqueza privada. O
Keynes tinha horror a esse negócio.
Essa recessão pode
durar quanto tempo?
Difícil saber. Essa
ideia de que vai se fazer dois anos de ajuste parece que não tem dado certo no
mundo. Vamos fazer uma 'austeridadezinha', e aí a gente sai dela em dois ou
três anos. Mas ninguém menciona o fato de que enquanto dura uma recessão vai se
devastando a vida das pessoas.
Mas olhando as
desonerações e as transferências ao BNDES, a gente não precisava do ajuste?
O problema do BNDES é
que não há nenhum outro circuito para o crédito de longo prazo. Há um
componente histórico de rentismo no crédito do setor privado. Os bancos
brasileiros ganham com as operações de tesouraria, em cima da dívida pública,
que é outra anomalia no Brasil. Reduzir a capacidade de empréstimo do BNDES vai
agravar a recessão.
Mas e as
desonerações?
Elas foram
importantes na saída da crise em 2009, mas foram prolongadas demais. O governo
demorou para mudar o elemento dinâmico da economia - os investimentos - e a
economia desacelerou. Mas a questão central no Brasil é a perda de posição da
indústria brasileira nos últimos 30 anos. Esse é o nosso problema central e os
macroeconomistas não levam em consideração porque para eles esse problema não
existe.
Há chances de o
Joaquim Levy levar isso em consideração?
É zero. Não existe
mais economia industrial nas universidades americanas. Não há essa preocupação
com a indústria, eles são macroeconomistas, então raciocinam sobre taxa de
câmbio, taxa de juros, dominância fiscal. Alguns ainda admitem que o câmbio é
um preço relativo importante e está fora do lugar. Mas isso acontece há 20
anos. Em termos de preços econômicos mal alinhados, o Brasil é campeão mundial.
O que o sr. acha do
ministro Joaquim Levy?
Discordo do ele está
dizendo que vai fazer. Mas, ao contrário do que disse o [economista] Luiz
Carlos Mendonça de Barros, ninguém acha que o Levy é um demônio. A despeito de
ser ex-seminarista, não acredito no demônio. Os demônios somos nós mesmos. O
nosso amigo Luiz Carlos quis acusar nós, da Unicamp, de considerarmos Chicago e
[o economista liberal americano] Milton Friedman demônios. Eu acho o Friedman
um idiota que conseguiu angariar apoio de outros.
O que a Dilma
pretende tendo optado por uma política econômica de perfil mais ortodoxo?
Acho que ela
capitulou diante das pressões do mercado. Das interpretações abstratas sobre
intervencionismo. Sem dúvida ela cometeu erros lá atrás, mas não interpreto
esses erros como o mercado. Não foi intervencionismo que retirou a eficiência
da economia e a competitividade. E essa história do patrimonialismo,
francamente, é algo penoso. Não se sabe do que se está falando. Tinha mais
patrimonialismo na Inglaterra da revolução industrial do que a ideologia do
liberalismo permitia ver. É ridículo fazer essa discussão em termos
ideológicos. Querer que o capitalismo funcione sem a coordenação do Estado.
Como diz o Keynes, o liberalismo adentrou o quarto das crianças.
O debate econômico
está muito simplificado?
Sim. Câmbio,
políticas industriais não aparecem na discussão. Quem fala disso é o Yoshiaki
Nakano, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Julio Sergio Gomes de Almeida e os
pós-keynesianos todos preocupados com a situação da indústria. Para o resto,
não existe.
O sr. foi um interlocutor
do governo Lula. Deixou de ser do governo Dilma?
No Lula as reuniões
eram mais frequentes, na Dilma não. Fui professor dela, me considero seu amigo,
mas isso não tem nada a ver. Eu posso dar minha opinião, mas não meter o
bedelho onde não sou chamado.
Ela conversou pouco
com empresários?
Eu espero que isso
mude. Agora essa ideia de que, a despeito da recessão, será possível reanimar
os 'espíritos animais' dos empresários...Vai ter ânimo para investir só porque
o outro está dizendo que vai ter ajuste fiscal?
Podemos ter recuos
importantes nos avanços sociais obtidos nos últimos anos?
Acho que ela vai
tentar impedir, mas se a economia for para a recessão, vai ser difícil impedir
o desemprego. Já existem primeiros sinais. Estou vendo alta da taxa de
desemprego e uma situação social um pouco delicada.