Quinta,
8 de janeiro de 2015
Texto
publicado originalmente na Revista
Posição*
Por Marcello Cavalcanti Barra — Graduado em Administração
pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Sociologia pela Universidade de
Brasília (UnB). Estudos na Columbia University (NYC/EUA) e The City University
(Inglaterra). Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Politica Social -
NEPPOS e do Grupo de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Educação na
Contemporaneidade - Departamento de Sociologia. Ambos da UnB.
Loïc Wacquant chama há muito a atenção para o Estado
penal (2002). Basicamente este modelo de Estado significa a criminalização da
pobreza, ou seja, prendem-se as e os pobres a bem da reprodução do capital. A
campanha de políticos, políticas e setores da mídia pela redução da maioridade
penal encontra relação com o crescimento do número de penitenciárias, dado o
acelerado aumento de detenções e encarceramentos. As ações desse tipo de Estado
têm determinações numa forma econômica que vai além da concentração, isto é, a
centralização do capital, demonstrada por exemplo no fato de 85 pessoas terem
riqueza equivalente ao que detém metade dos habitantes do planeta.
O Estado penal se expande por outras áreas para sustentar
tamanho aumento da desigualdade: não se trata mais apenas de atacar a classe
baixa, mas de criminalizar as lutas populares que possam mudar a realidade, com
a criminalização de movimentos sociais e políticos. Perseguição que recorre ao
uso da internet é o que revela Gleen Greenwald (2014) a partir de documento
“ultrassecreto” vazado por Edward Joseph Snowden, o ex-técnico em informática
da CIA e NSA com visto temporário em asilo na Rússia. Produzido pelo Grupo de Inteligência
Conjunta para Pesquisa de Ameaças (JTRIG, na sigla original), uma unidade do
Quartel-General de Comunicações do Governo (GCHQ) inglês, o trabalho em tela
foi apresentado aos “Five Eyes”, que são uma aliança da inteligência de cinco países
- EUA, Canadá, Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália.
O Estado penal se expande por outras áreas para sustentar
tamanho aumento da desigualdade: não se trata mais apenas de atacar a classe
baixa, mas de criminalizar as lutas populares que possam radicalmente mudar a
realidade, com a criminalização de movimentos sociais e políticos. Para tanto,
o uso da internet é o que revela Gleen Greenwald (2014) a partir de documento
“ultrassecreto” vazado por Edward Joseph Snowden, o ex-técnico em informática
da CIA e NSA com visto temporário em asilo na Rússia. Produzido pelo Grupo de Inteligência
Conjunta para Pesquisa de Ameaças (JTRIG, na sigla original), uma unidade do
Quartel-General de Comunicações do Governo (GCHQ) inglês, o trabalho em tela
foi apresentado aos “Five Eyes”, que são uma aliança da inteligência de cinco países,
quais sejam, EUA, Canadá, Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália.
As ações do Estado que vieram à tona utilizam a internet
para operações de infiltração, enganação, ruptura, atribuição de material falso
a indivíduos, destruição de reputação e atribuição de responsável pela vitimização
de determinada pessoa. Criminaliza-se qualquer sujeito, seja um ou uma
militante, ativista, líder, político ou política, de acordo com o interesse da
burocracia das agências de inteligência, seus e suas dirigentes políticos,
substituindo-se o “processo judiciário tradicional”.
Tal fato é gravíssimo. Essa face do Estado penal em sua versão
eletrônica além de ilegal, é criminosa e denota o ente estatal apoderado por
redes mafiosas, com a existência de milícias eletrônicas, falsas justiceiras e
falsos justiceiros digitais. Este modelo de Estado encontra raiz num sistema econômico
que se caracteriza, por um lado, cada vez mais como patrimonial (enormes
volumes centralizados de capital) e, por outro, torna-se cada vez mais
relacionado a negócios ilícitos – conluio, suborno, tráficos (drogas, pessoas –
sejam crianças, mulheres, trabalhadoras e trabalhadores –, órgãos, armas, influência,
dinheiro sujo), fraude, extorsão, propina, corrupção, sonegação, roubo. Transações
essas mais fortemente características do período de decadência do capitalismo,
um capitalismo degenerado, gângster. No capitalismo gângster o crime tem
centralidade - e o Estado expande isso, pois também passa a agir
criminosamente. Portanto, um sistema cada vez menos legitimamente defensável
para as grandes massas. A decadência do capitalismo é determinante para o
Estado penal na internet.
Uma amostra do capitalismo atual foi dado por levantamento
da empresa de auditoria e consultoria KPMG junto à plateia de cerca de 500
altos executivos e altas executivas de grandes empresas do país, quando foi
feita a seguinte pergunta: sua organização poderia participar de atos de corrupção?
Os presentes puderam se manifestar por controle remoto e de forma anônima, e
62% responderam que sim, enquanto 21% negaram e 17% não souberam responder.
Isso significa praticamente que 2/3 de dirigentes da economia brasileira
assumiram que podem participar da corrupção. Este é um quadro vivo do atual espírito
capitalista.
Não são poucos os casos recentes da relação entre internet, perseguição
e criminalização política. Recentemente o governo Agnelo Queiroz (PT), do
Distrito Federal, foi denunciado pela contratação de empresa de internet que
criava perfis falsos (“fakes”) para difamar adversários e adversárias e tentar
manipular a opinião pública. Julian Assange, do Wikileaks, que divulgou farto
material secreto norte- americano sobre as guerras do Afeganistão e Iraque, além
de 50 anos de telegramas diplomáticos, encontra-se detido na embaixada do
Equador na Inglaterra desde 19 de junho de 2012 por acusações de assedio sexual
e estupro na Suécia. Sob determinação da FIFA para a Copa do Mundo de futebol e
após as Jornadas de Junho no Brasil, o governo de Dilma Rousseff tentou aprovar
uma “Lei Antiterrorismo” que criminaliza os movimentos sociais e o uso ideológico
e politico das comunicações e redes sociais como terroristas. Depois de
virulentas criticas da opinião publica, aquela proposta foi adaptada e
rebatizada como “Lei Antimovimento”. Com as marchas e atos do dia 15 de Maio
(#15M), o governo publicamente desistiu de incentivar a proposta. No entanto, o
mesmo governo PT já́ decretou norma chamada GLO – “Garantia da Lei e da Ordem”
– em que prevê̂ uso de blindados e classifica como “forças oponentes” a grupos
ou organizações com ações radicais, ou mesmo que “instiguem” esses atos.
Como se observa, ao instituir uma nova face do Estado
penal, o de criminalizar com o uso da internet movimentos sociais e organizações
antiregime e antissistema, a burguesia pretende fechar o cerco à possibilidade
de maiores mudanças sociais, econômicas e políticas. Com a maior circulação de denúncias
e informações, o tiro pode sair pela culatra e aumentar a revolta, com mais manifestações,
protestos e organização de indignados e indignadas.
Referências
GREENWALD, Gleen. How Covert Agents Infiltrate the Internet
to Manipulate, Deceive, and Destroy Reputations. The Intercept. New York, 24
fev. 2014. Disponível em:
.
Acesso em: 19 maio 2014.
WACQUANT, Loïc. “A ascenção do Estado penal nos EUA,”
Discursos sediciosos. Crime, direito e sociedade. 11 (Primavera 2002), p.
13-40.
* http://redelp.net/revistas/index.php/rpo