Quinta-feira, 4 de outubro de 2018
"Há a tendência a se sentir seguro se você não pertence a um desses grupos. Mas o fascismo vai atrás de você também, pois o líder fascista persegue até os próprios apoiadores para se manter no poder."
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Entrevistado em Nova York pela repórter Danielle Brant, da Folha de S. Paulo, o filósofo Jason Stanley discorreu sobre as semelhanças e diferenças entre as táticas fascistas de Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Toque do editor
Stanley é professor da Universidade Yale e lançou recentemente o livro How fascism works: the politics of us and them (Como o fascismo funciona: as nossas políticas e as deles), ainda inédito no Brasil.
Reproduzimos abaixo as principais respostas que Stanley deu ao longo da entrevista.
"[O fascismo] É duramente patriarcal —os nazistas foram o governo mais antifeminista do século 20; as mulheres arianas não deveriam trabalhar, deveriam ficar em casa e ter filhos. Fascistas também são sempre contra os gays, pois a homossexualidade representa grande ameaça à masculinidade. E há essa retórica machista violenta, a representação de que o outro se opõe às políticas da lei e da ordem. É a justiça vigilante. O adversário e o inimigo são perseguidos, caçados.
Todo fascista tem um discurso anticorrupção. Os nazistas tinham campanha anticorrupção, Benito Mussolini tinha campanhas anticorrupção. Quando o país tem muita corrupção, fica muito suscetível a políticos fascistas. O político fascista diz que, se a corrupção é uma tradição, ele vai combater aquilo. Ele pode até acabar amealhando dinheiro, mas com ele não é corrupção.
Um país que teve uma presidente acusada de corrupção pode abrir caminho para uma campanha efetiva: um político fascista poderia dizer que ter uma presidente mulher leva à corrupção. Mesmo sem qualquer evidência. Donald Trump não teve problema em se declarar como o candidato anticorrupção, foi sua tática.
É mesmo? E o que dizer de soldados...
Tipicamente, o que eles fazem é dizer que a corrupção política se deve à corrupção da ordem, aos progressistas, ao ganho de poder das mulheres. Bolsonaro diz que você não é um policial se não matar ninguém, p. ex.
Mas a lei e a ordem não são justiça vigilante. E os apoiadores fazerem justiça com as próprias mãos e perseguirem adversários é o oposto a lei e ordem.
As coisas significam o oposto na propaganda fascista. As notícias viram fake news, Hitler costumava dizer que a imprensa passava do limite.
...Bolsonaro ataca o grupo diferente dele, geralmente uma minoria racial, que ele diz que são criminosos. É sempre o caso. Os judeus na Alemanha eram criminosos e preguiçosos. As pessoas que se valem do racismo dizem que negros americanos são criminosos e preguiçosos. Bolsonaro [na verdade o seu vice, o general Mourão] disse dos negros no Brasil que eles são preguiçosos.
O poder e a força andam juntos com um grupo, como os brancos. Os brancos são dominantes, então são os vencedores. Todo o resto não tem valor. Isso é fascismo: a ideia de que o grupo odiado —os negros, p. ex.— são criminosos, violentos.
Outra coisa que políticos fascistas fazem —e não sei se o Bolsonaro faz— é atacar progressistas. Eles se apresentam falando para as pessoas de verdade do país, o povo que vive nas pequenas cidades, nas áreas rurais.
...cujas armas os bandidos tomam com a maior facilidade?
O Bolsonaro é assustador por ser abertamente antidemocrático. Fala abertamente em prender e matar os adversários. Políticos fascistas geram pânico ao falar sobre estrangeiros destruindo a força do país. Bolsonaro faz tudo isso.
Por que pensar que alguém assim abriria mão do poder? Fascistas nunca abrem mão do poder. Eles veem a democracia como fraqueza. Se eles dizem que serão líderes duros e vitalícios, por que você vai votar nele? Por que ele não faria o que diz?
Parece, para mim, que ele está dizendo isso. Ele está dizendo que se chegar ao poder, vai ficar no poder, mesmo usando a violência. Ele está sendo explicitamente antidemocrático.
Uma coisa dessa ideologia fascista machista é que eles dizem o que vão fazer. Então o que o Bolsonaro diz que vai fazer? Tem que acreditar nele. Ele está dizendo a verdade sobre o que vai fazer —mas ele está mentindo sobre por que ele vai fazer.
Quando há racismo velado que o líder fascista possa explorar, quando a sociedade tem uma cultura machista, patriarcal. Ou quando o líder democraticamente eleito foi corrupto, algo especialmente perigoso porque deixa as pessoas ansiosas. Uma crise econômica deixa as pessoas ansiosas e com medo, e elas querem um líder forte que surja e resolva todos os problemas.
...o fascista tem a sua própria realidade. (...) Se eles não ganharem, por definição é uma fraude. A realidade é irrelevante, e claro que é exatamente o que Donald Trump faz. Ele também só se importa com resultados.
Bolsonaro disse que não aceitaria derrota, depois recuou