Segunda, 24 de fevereiro de 2020
Por
Pedro Augusto Pinho*
Está ocorrendo no Brasil uma infiltração nas já pouco sólidas estruturas de sustentação de suas instituições e de sua economia. Um cupim que vai desbastando as vigas e pilares tem um nome específico e é usado para destruir a mais competente e maior empresa brasileira, geradora da energia que move a nossa e todas as nações industrializadas no Planeta: o petróleo.
Comecemos entendendo o petróleo. Volta e meia sai, irresponsavelmente, na mídia e até das academias, em trabalhos financiados por interesses muito particulares, a condenação do petróleo. O petróleo polui, está no fim sua era, é necessário substitui-lo, e outras sinônimas manifestações.
Como teria sido quando o homem obteve o fogo. Aqueles que viviam da escuridão, se aproveitavam do frio e da comida crua teriam dito: o fogo devastará o mundo, seremos todos destruídos por ele.
O petróleo, como todos os minerais, e os produtos de natureza finita e não reprodutiva, chegarão ao fim. Mas antes, muito antes disto, o homem terá encontrado um substituto que, provavelmente, não terá o mesmo conteúdo energético e de transformação que uma gota deste composto orgânico, deste hidrocarboneto é capaz.
O que ocorre com toda certeza, aliás já ocorreu, foi o fim do petróleo barato. Aquele petróleo que custou um único dólar estadunidense por décadas, em moeda constante, não pode mais ser produzido. Assim, a civilização que se construiu nos Estados Unidos da América (EUA), na Europa e em alguns outros poucos países deverá passar por transformação. E como é difícil mudar! Principalmente quando se considerava o centro do mundo, o pedagogo maior do comportamento humano, o fiscal do universo.
Vamos apresentar uma interpretação desta mudança.
O modelo energívero, voraz por energia, que caracterizou a civilização ocidental contemporânea deverá ser substituído. Mas os que dela se beneficiam buscarão se aproveitar da última gota. Este fim de era surge nas décadas 1960/1970.
A pujança e a certeza do progresso do pós-guerra começam a ser substituídas pelos conflitos de um crescimento impossível para todos. Quem seriam os escolhidos? Quem sobraria? E o sistema que estudava, influenciava e formava os dirigentes buscou outras rotas, redirecionar a manada humana. Os interessados na História e os mais antigos lembrar-se-ão do Woodstock, do Maio de 1968 parisiense e dos movimentos que, de algum modo, celebravam a Era de Aquário, com maconha e a libertadora pílula anticoncepcional.
As crises do petróleo constituíram verdadeiro multiuso para este bem: mudança de base monetária, sistemas de gestão, golpes em países mais fragilizados, etc. Começando pelo petróleo mais caro, em rota nunca mais descendente, e na mudança do paradigma monetário, deixando para sempre (até 2020, ao menos) um referencial e dando à moeda o status de uma commodity, a ser valorada pela abstrata entidade: o mercado. Que muitos já divinizavam.
Mas teve o contraponto de permitir novas áreas produtoras, a começar pelo fracassado Mar do Norte, mas chegando ao disputadíssimo pré-sal do Brasil.
E tendo chegado ao petróleo brasileiro, façamos um intervalo para discorrer sobre um dos cupins: o PPI.
O PPI - Preço de Paridade de Importação - é uma jabuticaba. Não pelo sabor único da fruta, mas pela raridade, pelo tamanho da ofensa feita a todo povo brasileiro. Devemos reconhecer a ousadia e audácia de comunicar, em 2016, que se estava implantando um modo de a Petrobrás perder mercado, consumo e até lucro, como já se constatou no Balanço de 2019.
Quando a Petrobrás tornou, pela competência e dedicação de seu corpo técnico, o Brasil inteiramente autossuficiente em petróleo, com o pré-sal e sua rede de refinarias, dutos, terminais, bases de distribuição podendo colocar os derivados do petróleo em todo território nacional aos menores preços possíveis, surge o PPI, acompanhando a mais insana desnacionalização industrial, logística e comercial que se tem notícia.
O atilado leitor perguntará, com toda razão: como foi possível aceitar este crime contra o Brasil?
Ousamos ter uma resposta. Pela pedagogia colonial.
Retomemos, brevemente, nossa cronologia nas crises do petróleo. Não houve somente o aumento de preço e a demonização do petróleo. Vieram novas referências monetárias e administrativas. Os objetivos de desenvolvimento empresarial e nacional foram sendo substituídos por valores globais. Ser global e não nacional passou a ser referência. Um aspecto curioso é que autores como Adam Smith passaram a ter leituras diferentes para se encaixar nas novas necessidades do poder. Não mais a realidade forneceria elementos para as construções teóricas, era a teoria que definiria e construiria a realidade.
E nesta verdadeira esquizofrenia, a audácia, a falta de escrúpulo, a verdadeira corrupção toma conta da direção do Brasil e das empresas públicas e privadas brasileiras, chegando à situação que nos encontramos hoje, sem emprego por falta de empresas, e com a nova escravidão dos ubers e pejotizações dos meis (Micro Empreendedor Individual MEI).
Este Brasil tem início nos anos 1980, se aprofunda com a Constituição de 1988, e explode com Fernando Collor e Fernando Cardoso. Nada, desde então, revogou, demoliu, saneou o que se fizera; o Brasil entrou e permanece cego no neoliberalismo.
Prossigamos na compreensão do PPI, que nos foi imposto em 2016 pela dupla Michel Temer/Pedro Parente.
PPI, “Preço de Paridade de Importação”, não é um eventual preço internacional, fixado em Bolsas de Mercadorias, mas aquele que é internado no Brasil, conforme se segue.
A base do preço é a do combustível (diesel e gasolina, principalmente) produzido nas refinarias do Golfo do México. Das 10 maiores refinarias estadunidenses, oito estão localizadas nos estados do Texas (4), Louisiana (3) e Mississipi. Em 2018, estas oitos refinarias pertenciam às seguintes empresas: Exxon Mobil (Baytown, Baton Rouge, Beaumont), Marathon (Galveston Bay e Garyville), Chevron (Pascagoula), Citgo (Lake Charles) e, com maior capacidade de processamento, da Motiva Enterprises, a Port Arthur Refinery. Além destas, cinco outras empresas têm refinarias no Golfo do México: Valero Energy, PBF Energy, PDV, Shell e Koch.
Não é difícil imaginar que exista um acordo, para não dizer um oligopólio formado por estas empresas para estabelecer preços de exportação. Mas isto nem é relevante, como veremos no decorrer desta análise.
A este preço do derivado são acrescentados: o custo do transporte até um porto brasileiro, os custos da internação do produto no Brasil (impostos e taxas aduaneiras, seguros do frete e do produto e outros encargos), o seguro para eventual variação cambial (entre a compra e a internação decorrem cerca de 30 dias e o valor do dólar pode mudar) e o lucro prefixado.
Agora o atilado leitor imagine esta equação nas mãos das empresas internacionais de comercialização (traders) que sabem em que porto embarcar/desembarcar a mercadoria para aproveitar os incentivos na guerra que o sistema tributário nacional coloca os Estados e Municípios brasileiros, e que negociam, com volumes elevados, os preços de compra nos EUA. Não necessariamente nas oito grandes, mas naquelas pequenas, que podem lhe proporcionar maiores lucros. O Brasil fica nas mãos destes especuladores para o importantíssimo preço que movimenta suas Forças Armadas, os alimentos para os brasileiros e as cargas para toda economia nacional.
E isto quando o Brasil não mais precisa importar o petróleo bruto, pois já o produz, com o pré-sal, acima de seu consumo atual, nem qualquer derivado, pois desde 1980, com os investimentos de Médici e Geisel, a exceção de quatro anos no século passado, tem toda gama de derivados utilizados no País produzidos pelas refinarias brasileiras.
A PPI é uma jabuticaba podre e um crime contra a economia nacional. Só existe no Brasil, pois nenhum País, com dirigentes que tenham um mínimo de dignidade, aceitaria colocar a vida dos cidadãos e a própria nacionalidade no balcão da especulação globalizada. Com atores cujos verdadeiros donos, seus mandantes, se escondem em fundos financeiros internacionais.
A Direção da Petrobrás impõe às suas refinarias o PPI para venda às distribuidoras. E isto quando a Petrobrás, como vimos, é autossuficiente em produção de petróleo e derivados, ou seja, tem um preço muito inferior a esta simulação de preço de paridade com o importado. Apenas resulta perder mercado para as traders que trazem de onde desejarem os derivados, pois terão no Brasil um preço de venda altamente compensador.
E perdendo mercado, a Petrobrás deixa ociosa suas refinarias e exporta petróleo bruto para importar derivados. O Brasil volta à condição anterior a de 1950.
Mas há outra consequência. O etanol faz parte da energia que movimenta veículos terrestres no Brasil. O etanol nacional é obtido da cana-de-açúcar. A maior empresa produtora de etanol é a COSAN, que tem seu capital registrado nos EUA (Cosan Ltd) e cujos acionistas são entidades financeiras. A COSAN é sócia menor da SHELL na RAÍZEN, um verdadeiro polvo estrangeiro nas áreas de energia e combustíveis (cujo organograma pode ser acessado em https://ri.raizen.com.br/ sites/default/files/ organograma_raizen_jul2019_0. pdf).
Com o PPI aumentando desmesuradamente o preço da gasolina, a Raízen tem elevados lucros na venda do etanol. E ainda pode fazer chantagem com o preço do açúcar. Ou seja, interferir nos custos da alimentação brasileira.
Mas a Raízen é Shell, que, como vimos, tem também refinarias no Golfo do México. Ou seja, a Shell, controlando o álcool combustível e importando seu próprio derivado, pode ter o lucro desejado e derrubar o concorrente, monitorando portanto o consumo nacional de um forte componente energético.
Chamar esta situação de mercado livre é mais um tapa nos brasileiros. Não existe qualquer competição.
Urge demonstrar esta desconstrução da economia nacional, das instituições brasileiras, pelos cupins que foram colocados nas suas pilastras, nas suas estruturas.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.