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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A RACIONALIDADE SISTÊMICA DO BEM-ESTAR DA POPULAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL E A VISÃO POLÍTICA A RESPEITO DO CIDADÃO

Segunda, 17 de fevereiro de 2020
Por
Salin Siddartha

A autonomia política transformou o Distrito Federal, na prática, em um ente federativo especial. De modo que o Distrito Federal deve não só exercer a função de cabeça do País, mas também criar a capacidade de defender seus interesses como unidade da Federação, de promover a sua racionalidade sistêmica comprometida com o bem-estar da população e com uma visão política do cidadão. Seu desenvolvimento deve abranger toda a organização da economia, da sociedade, da política e da cultura em uma inter-relação sistêmica.

Os instrumentos básicos constitutivos do poder local precisam ter participação comunitária e planejamento descentralizado. O papel político do Distrito Federal deve materializar-se na soberania popular representativa dos costumes pela descentralização do poder não só administrativo, mas também político.

A participação é um meio de institucionalizar relações mais diretas, flexíveis e transparentes que reconheçam os direitos dos cidadãos. A etapa histórica atual exige que a sociedade esteja motivada e mobilizada para assumir um caráter propositivo, para poder questionar a falta de iniciativa, se for o caso, do Governo do Distrito Federal para implementar políticas pautadas pela sustentabilidade e desenvolvimento num contexto de inclusão social.

Nesse contexto, democracia direta e democracia política são dois elementos inseparáveis de um mesmo processo. A descentralização abre espaço para a participação comunitária nas definições e decisões das políticas públicas, seja por intermédio de assembleias, audiências públicas, fóruns de defesa das cidades do DF – que, inclusive, monitorem as atividades dos gestores –, conselhos ou comissões onde a comunidade tenha assento, voz e voto (tais quais órgãos da sociedade, independentes do Estado, que ocupem espaços de participação na gestão local). A efetiva participação do cidadão na vida pública ocorreria, então, pela participação direta em órgãos de representação comunitários, assembleias coletivas de moradores e diversos outros institutos democráticos de participação popular que possam ser criados na experiência da governança.

O reforço do poder local pode permitir a criação de um equilíbrio democrático frente à centralização do poder pelas elites e, simultaneamente, atualizar-se como uma instância dinâmica de possíveis relações com o global. O poder local, no aspecto participativo, é uma correlação de forças, um espaço delimitado de identidades e práticas políticas específicas – com relações de poder constituídas por grupos que se identificam e atuam na produção de políticas determinadas, efetuadas em um espaço físico e, virtualmente, nas redes sociais.

A complexidade e amplitude dos problemas sociais, políticos, econômicos e administrativos do Estado pós-moderno exigem que o poder seja compartilhado, e não concentrado. O Governo do Distrito Federal deve ter sua autoridade pluralizada sob a

categoria da descentralização. Sua prática política, administrativa e social desenvolver-se-ia a partir de uma coalizão de forças estatais, empresariais e da sociedade civil, em âmbito local, implementando uma gestão compartilhada na decisão dos problemas locais; como um sistema híbrido de tomada de decisões para inserir novos atores sociais existentes na esfera local.

No Distrito Federal, é possível captar um leque de experiências do poder local cuja ação política seja conversível em instrumentos de mudança. Isso se apresenta como um novo paradigma de poder político, fundado na emancipação de uma nova cidadania.

O empoderamento da comunidade gera processos de desenvolvimento autossustentável, por intermédio de relações políticas igualitárias, com uma estruturação firmada na confiança e na colaboração. Deve-se iniciar o empoderamento comunitário institucionalizando a participação da comunidade já no processo de planificação em nível distrital. A participação da comunidade implica uma transformação da cultura administrativa e política; para tanto, o poder local deve funcionar em uma nova concepção de hierarquia de competências, com maior autonomia, renovação de conceitos tecnológicos, novas formas de atuação da estrutura jurídica brasileira e atualização das práticas sociais.

Torna-se importante descentralizar competências e recursos do nível do poder central do GDF para os níveis locais das Regiões Administrativas a fim de gerirem haveres públicos. A descentralização cria, então, espaços de participação das comunidades no governo, o que contribui para o desenvolvimento local.

Gerar uma visão de futuro compartilhada por meio do planejamento participativo possibilita o diálogo, a cooperação e a valorização das lideranças representativas da sociedade civil, além de mobilizar a comunidade a identificar as ações estratégicas de desenvolvimento e as diretrizes políticas para tal. O planejamento participativo possibilita exprimir as reais preocupações e aspirações coletivas com os problemas locais e empenhar-se em resolvê-los de maneira conjunta; assim, desde o planejamento até o resultado da política, tudo passa a não ser exclusividade do poder público, mas do comprometimento da sociedade local.

É importante abrir à sociedade estruturas estatais de planejamento e gestão, para se criar processos democráticos de cogestão que modifiquem as estruturas comprometidas com o clientelismo e a corrupção. E, a partir daí, gerenciar os conflitos inerentes à negociação dos interesses locais, advindos da representação e participação direta na cogestão pública.

O Distrito Federal é, hoje, uma metrópole com funções centralizadoras enraizadas em um polo administrativo, que deve ser redefinida e reordenada. Sua base reativa é o espaço compartilhado no cotidiano. Sua rearticulação passa por uma redefinição da cidadania e das instituições para que os espaços participativos coincidam com as instâncias de decisões. Para alcançar esse objetivo, precisamos de muita democracia.

É fundamental que o poder local adote uma nova racionalidade para entender a que diz respeito às cidades do DF, compreendendo-as em uma extensão verdadeiramente sistêmica, em que o meio ambiente, por exemplo, não seja incluído de forma meramente burocrática, cartorial, como se fosse um peso a atrapalhar o desenvolvimento, o qual o

governo procure burlar com medidas protelatórias e evasivas, como se a sustentabilidade não fosse algo de importância mensurável, e apenas o curtíssimo prazo tivesse interesse para as oligarquias se locupletarem nas hostes eleitoreiras.

A racionalidade dominante deve ser desafiada pela produção de uma sociabilidade que troque os eixos de satisfação existentes nas relações interesseiras e individualistas, cujo fim é a obtenção de vantagens para a oligarquia.

Cruzeiro-DF, 16 de dezembro de 2020

SALIN SIDDARTHA
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Artigo publicado originalmente no Jornal InfoCruzeiro