Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 15 de fevereiro de 2020
Nos últimos anos (ou décadas), a Administração Pública do Distrito Federal convive com gravíssimos problemas de gestão. Não são mazelas relacionadas com nenhum governo específico. São práticas e costumes recorrentes estabelecidos e alimentados como “normais” em vários governos da capital do País. Eis alguns exemplos significativos:
a) pagamentos sem cobertura contratual. Demonstram, dependendo da magnitude, uma desorganização inaceitável da máquina administrativa pública. Por essa via, os comandos constitucionais e legais, relacionados com as licitações e contratações públicas, são sumariamente “esquecidos”. Em 2017, as despesas do Distrito Federal sem lastro contratual chegaram a quase 700 (setecentos) milhões de reais;
b) por força da Decisão TCDF n. 27/2017, foram apuradas no âmbito da Controladoria Setorial da Saúde um conjunto de 125 servidores da Secretaria de Saúde que integravam os quadros societários de 72 empresas fornecedoras de bens e serviços para o Poder Público distrital. Os valores movimentados nesses contratos ultrapassaram R$ 600 milhões entre os anos de 2000 e 2018 em frontal violação à Lei de Licitações e à Lei de Improbidade Administrativa;
c) quantidade anormal de contratos emergenciais por conta de sérias falhas no planejamento dos processos licitatórios e toda sorte de entraves administrativos;
d) quantidade excessiva de tomadas de contas especiais relacionadas com episódios de ressarcimentos ao Erário em função de prejuízos causados;
e) profundas deficiências na elaboração ou acatamento de projetos, notadamente de obras de grande porte;
f) ausência generalizada, com honrosas exceções, do mapeamento de rotinas e processos de trabalho. Prevalecem, para a prática de atos administrativos, em especial aqueles que resultam em serviços prestados ao contribuinte, a memória dos servidores públicos ou registros informatizados de ordem pessoal. Ademais, a indesejável informalidade permitiu e permite a existência de vários expedientes voltados para burlar os comandos constitucionais e legais em clara ofensa à legalidade e à moralidade.
No dia 6 de fevereiro de 2020 foi editado o Decreto n. 40.447. Trata-se, na minha ótica, da mais importante medida de organização da gestão administrativa nos últimos anos no âmbito do Governo do Distrito Federal. O referido decreto:
a) fixa o dia 28 de fevereiro de 2020 como final do prazo para os órgãos e entidades do Distrito Federal, com algumas pouquíssimas exceções, cadastrarem contratos administrativos, termos aditivos, apostilamentos e termos de rescisão no sistema informatizado denominado e-Contratos/DF;
b) o e-Contratos/DF contempla os seguintes módulos: cadastramento, administração e encerramento dos contratos, de forma integrada com o Sistema Integrado de Gestão Governamental (SIGGo);
c) o pagamento dos contratos no SIGGo está condicionado ao cadastramento e atualização do instrumento contratual no e-Contratos/DF;
d) será obrigatória a utilização do Sistema de Gestão de Compras Governamentais (e-Compras/DF) e do Sistema de Gestão de Suprimentos (e-Supri/DF), a partir de suas implementações;
e) as autoridades dos órgãos e entidades que não utilizarem o e-Contratos/DF estão sujeitas às sanções disciplinares dispostas na Lei Complementar n. 840/2011.
Não estamos simplesmente diante mais um diploma legal que impõe a utilização de mais um sistema informatizado nas atividades desenvolvidas no seio da Administração Pública. Primeiro, o uso intenso da tecnologia para equacionar os mais relevantes entraves nas áreas pública e privada é algo observado em escala mundial. Ademais, a tecnologia será utilizada da forma mais inteligente possível. A “trava” dos pagamentos (no sistema SIGGO), condicionando a existência do contrato no sistema e-contratos, é o “pulo do gato” para a formação de um cadastro com todos os ajustes dessa natureza realizados pelo Distrito Federal. Com todos os contratos devidamente registrados, as atividades de planejamento dos processos licitatórios e de acompanhamento da execução atingem outro patamar de eficiência com profundos reflexos positivos para o cidadão no plano da prestação de serviços públicos. Não custa lembrar Lawrence Lessig, um dos pioneiros na análise das relações entre o direito e as novas tecnologias, ao afirmar que "o código [o software] é a lei". Essas providências, importa ressaltar, ao aumentarem significativamente os níveis de organização e controle, retiram oxigênio dos expedientes e mecanismos escusos que prosperam na Administração Pública.
A Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) esteve presente nos debates para formatação desse importantíssimo diploma legal e prestou inestimável apoio à Secretaria de Economia no atingimento de sua redação final. Essa foi uma das minhas últimas atuações de maior fôlego no honroso posto de Controlador-Geral do Distrito Federal.
Agora, cabe a CGDF, conforme reza o Decreto n. 40.447/2020, fiscalizar a implementação de suas definições. Esse é um aspecto crucial. O decreto por si só tem apenas o potencial de realizar profundas mudanças nas licitações, contratações e pagamentos. Somente sua efetivação no plano dos atos administrativos concretos viabilizará que a Administração Pública do Distrito Federal posso trilhar, de forma generalizada, e não parcial como hoje, os caminhos da regularidade e da eficiência.