Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Carta Aberta aos Governantes

Segunda, 13 de abril de 2020
Por
Professora Fátima Sousa*

Vossas Excelências eleitos(a) pela população dos seus Estados, permitam-me apresentar, pelo menos, 10 razões para que mantenham em segurança a população que lhes outorgaram o cargo que ocupam hoje. Saibam que aqueles que se despediram dos seus entes abatidos pelo coronavírus não esquecerão de vossas atitudes.
Os conteúdos aos quais me refiro dizem respeito a um bem supremo com os quais qualquer pessoa pública deveria atentar-se: a vida. Afinal, postergar ações de combate à pandemia ou afrouxar medidas protetivas de maneira precipitada, podem gerar outros arrependimentos como os já conhecidos casos de Milão, na Itália; Inglaterra e os Estados Unidos. Além de reconhecerem seus erros, foram obrigados a valorizar o Estado como ente forte e central na governança do controle e combate ao Covid-19.
Esta não é a primeira vez tão pouco a última a qual venho ao encontro de Vossas Excelências, mas sinto-me na obrigação ética e cidadã, como enfermeira sanitarista e professora universitária da área de políticas públicas de saúde de uma das cinco melhores instituições de ensino superior do país, a alertar-lhes que:
1- Vossas Excelências não possuem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) suficientes para todos(as) os(as) profissionais da saúde, sobretudo para aqueles(as) que se encontram em linha de frente, entre eles(as) as(os) enfermeiras(os), técnicos(as) de enfermagem, recepcionistas, vigilantes, agentes administrativos(as), segurança, entre outros.
2- Não têm teste para todos(as) brasileiros(os). Se o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde de seus Estados conseguirem adquiri-los, certamente, dada a escassez, serão priorizados para os(as) profissionais da saúde que estão na linha de frente, e para confirmação do diagnóstico dos casos suspeitos internados e pós mortes. 
3- Não dispõem de tratamento seguro pois a tão badalada cloroquina, encontra-se em fase de pesquisa (teste clínico), sem nenhuma evidência científica que possa, com segurança, afirmar a eficácia do uso desse medicamento para o tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. O que a medicina clínica recomenda é sua variante, a hidroxicloroquina para tratamento contra a malária, lúpus e artrite. Logo, lembrem-se que esse remédio tem efeitos colaterais fortes e pode matar.
4- Em seus Estados não há leitos suficientes para atender a todas as pessoas que irão demandar com a redução das medidas de isolamento, e não é somente os(as) idosos(as) já classificados(as) de risco. Há milhares de outros(as) crianças com síndrome de insuficiência respiratória, adultos com agravos crônicos, pessoas em situação de rua, privadas de liberdade, com sofrimentos mentais, que engrossam a fila dos que ainda moram em situações de vulnerabilidade nas periferias de suas cidades.
5- Não existe vacina.
6- Não podemos aceitar essa dicotomia entre a vida com saúde ou a saúde da economia. Sabemos que não queremos desempregos em massa, tão pouco subempregos, precarizados, terceirizados, mas não se deve negociá-los em cima dos corpos e das dores dos que tiveram que proferir, a distância, o último adeus a familiares ou amigos(as) mais próximos(as). O cenário é trágico, para não falarmos em perverso e desumano.
7- O vírus chegou pela casa grande, mas ainda não chegou na senzala. Aquela que não possui água nem mesmo saneamento básico, moradia digna, alimentação adequada, segurança ou renda. Querem exemplos? Tenho muitos a citar, mas vou me ater ao lugar onde moro, e aqui existem lugares como Sol Nascente, Por do Sol, Estrutural, e as suas semelhanças, muitos outros pelo Brasil.   
8- Não podem repetir os erros dos países desenvolvidos que não tomaram a firme decisão de isolar totalmente a sociedade. Desejo profundamente que Vossas Excelências não regressem às tradicionais coletivas de imprensa atônitos(a), sem saberem o que dizer diante das mortes evitáveis que podem vir a escorrer pelas tintas de suas canetas.
9- Não adianta tentarem desmoralizar a ciência em praças públicas, pois esta sempre esteve e estará a serviço da superação das desigualdades humanas. E mais, apesar de agredida e desvalorizada, sempre se coloca disponível e segura do seu papel na sociedade.
10- Não deixem ser levados(a) pelas enxurradas de desinformações que confundem e atrapalham informações seguras e qualificadas cientificamente. Estejam ao lado dos meios jornalísticos sérios e comprometidos com a saúde das pessoas e suas vidas, em primeiro lugar.
Finalmente, solicito a Vossas Excelências que não afrouxem o isolamento físico e o distanciamento social, ou teremos milhares de mortes. Não se trata de opinião, mas das projeções epidemiológicas que apontam picos da doença porvir e das complexas e históricas desigualdades das regiões do nosso pais.
---------------
*Fátima Sousa Paraibana, 40 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.