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(Millôr Fernandes)

sábado, 23 de julho de 2022

Em 28 anos, real derrete e cesta básica aumenta 21 vezes

Sábado, 23 de julho de 2022

Com R$ 100 consumidor compra o equivalente a R$ 14 em 1994.

22 De Julho De 2022


Por Gilmara Santos, especial para o Monitor

Desde que entrou em circulação há 28 anos, o que é possível comprar com o real mudou bastante. Com uma nota de R$ 100, por exemplo, teríamos o mesmo poder de compra de R$ 14,19 em julho de 1994, conforme cálculos feitos por Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

Em 1994, o consumidor brasileiro desembolsava cerca de R$ 0,55 para comprar um litro de gasolina e aproximadamente R$ 60 para levar para casa uma cesta básica. Hoje, o combustível custa em torno de R$ 6, e a cesta básica sai quase 21 vezes mais cara, por R$ 1.250, conforme últimos dados divulgados pelo Procon-SP.

Para especialistas, uma das vitórias do plano real, precedido pela instituição da URV, foi a estabilização da moeda. No entanto, a escalada inflacionária aliada a uma economia muito indexada pode comprometer essa conquista.

Em recente entrevista ao Monitor Mercantil, o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antônio Corrêa de Lacerda, assinalou que “a indexação favorece os mais ricos, o mercado financeiro, os grandes empresários, os rentistas e os proprietários de imóveis, se transformando numa transferência de renda”.

Lacerda destacou que “trata-se de uma questão de economia política, já que há uma relação de poder que favorece os mais ricos”.


Anomalias

“Vivemos de 1994 a 1997 um período em que a paridade conquistada da moeda brasileira ante o dólar norte-americano produziu certas anomalias como, por exemplo, o preço de produtos importados tornarem-se do dia para a noite mais atrativos para o consumo. Era o caso de uma família que ia as compras ao supermercado e comparava o preço do pescado nacional (tainha, cavala ou atum) e descobria que estavam mais caros que um pescado com coloração rosada vindo do exterior (salmão). Ou descobria-se que viajar para a Disney estaria em condições melhores que ir ao Nordeste brasileiro”, comenta o professor Flavio Riberi, coordenador de cursos de pós-graduação e MBA da Faculdade Fipecafi.

Apesar de termos perdido muito poder de compra, ainda usamos a mesma moeda, o que mostra até uma certa estabilidade da inflação nas últimas décadas, avalia Angela Nunes, da Planejar (Associação Brasileira do Planejamento Financeiro). “Estamos perdendo anualmente o poder de compra, e no último um ano e meio, tivemos um processo mais acelerado de inflação. O mundo todo está sofrendo.”

Como o brasileiro tem uma memória inflacionária muito recente, há um gatilho de querer fazer estoque, principalmente de produtos básico como alimentos, e isso acelera o processo inflacionário. “Com uma inflação mensal de 82% quando o Fernando Collor de Mello tomou posse, a defesa do trabalhador era fazer estoque, e isso ainda é muito presente na cultura brasileira”, comenta Angela ao lembrar que o aumento na demanda contribui para acelerar a alta de preços.


Dois tipos de inflação

Matheus Eid Lubrani, analista de crédito na Vallus Capital, explica que o causador da perda do poder de compra é a inflação, que é basicamente a desvalorização do real, que significa que, ao passar dos anos, se pode comprar menos com a mesma quantidade de capital. “A inflação pode ser subdividida principalmente por dois tipos de inflação, sendo a primeira de demanda, onde há um maior número de compradores do que ofertantes fazendo com que os empresários aumentem os preços. Há também a inflação de custos, onde os insumos de produção e venda são inflacionados e consequentemente aumentando o preço final as famílias e empresas”, diz ele.

O cenário econômico mostra que estamos vivendo atualmente os dois mundos: aumento da demanda com os programas sociais criados para tentar reduzir os impactos da pandemia e falta de insumos, que teve o agravante da guerra da Rússia e Ucrânia. O impacto dessa perda de poder aquisitivo atinge em cheio as pessoas menos privilegiadas financeiramente por consumirem basicamente 100% de sua renda em produtos e serviços básicos como alimentação e energia.

Mas não é apenas a inflação que leva ao que estamos vivendo atualmente, conforme destaca Agostini. “Geralmente se alinha a perda do poder de compra à questão da inflação, mas nessa linha teria impacto no mundo inteiro. Só que envolve um pouco mais de fatores além da inflação, que é a medida mais fácil de perder de compra, preço aumento e salário não aumenta”, diz.

Ele lembra que 27% da composição do IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo, a inflação oficial) são compostos por preços administrados pelo governo. “Temos uma economia muito indexada e, independentemente do momento da atividade econômica, os preços administrados vão subir de qualquer jeito.”

Além disso, tem ainda a questão do preço nos salários também indexados, com todas as categorias tentando conquistar a correção para trás, que também não é saudável para o poder de compra porque está correndo atrás do que perdeu. “O mais equilibrado seria aumentar o ganho de produtividade e ter uma divisão melhor dos lucros. Hoje se remunera todos iguais e no fim do ano tem dissídio”, diz Agostini. Para ele, a alta concentração de renda também causa impacto e avalia que uma distribuição melhor de renda seria outro ponto a ajudar a combater perda do poder de compra.

Se o trabalhador está precisando apertar o cinto para manter as contas em dia, a situação não é diferente para as empresas passaram a ter que administrar níveis de estoque mínimo, adquiridos de forma constante, atuando na fidelização a fornecedores e ainda empregar estratégias para repassar aos preços seus aumentos de custos de forma a remunerar seu capital e todos os fatores de produção.

Para o professor Otto Nogamik, do Insper, temos um desequilíbrio há muito tempo entre o desejo de consumir e a capacidade de produzir, o que acaba pressionando o preço e dando origem ao fenômeno da inflação. “Governos sempre preocuparam em melhorar a renda sem melhorar a produção. Nossa economia tem essa característica mais inflacionária devido a esse desequilíbrio, que reflete nos preços”, diz.