Sexta, 15 de dezembro de 2023
Os problemas denunciados há 40 anos são os mesmos levantados pelas manifestações atuais
Caroline Oliveira e Pedro Stropasolas
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 07 de dezembro de 2023. Matéria atualizada em 11 de dezembro
Manifestações do ano de 1986 eram contra a expansão da Braskem, nomeada antes de Salgema, em Maceió - Acervo da Tribuna de Alagoas - 1986
Não é de hoje que a população de Maceió (AL) aponta para os problemas ambientais e sociais decorrentes da atividade da petroquímica Braskem. A professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Regina Dulce Barbosa Lins, relembra uma manifestação que participou contra a expansão da extração de sal-gema ainda em 1986.
Foi nesta década, mais especificamente em 1976, em que a Braskem, antiga Salgema, começou as atividades em Maceió. A empresa havia surgido uma década antes, mas foi somente 10 anos depois que a exploração de fato começou, no bairro do Pontal da Barra, próximo à Lagoa Mundaú. “Naquele momento, a Braskem estava iniciando os seus trabalhos de mineração e produção do cloro com o nome de sal-gema", relembrou Lins em entrevista ao Brasil de Fato.
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Enquanto a empresa cresceu no município alagoano, Lins construiu sua vida profissional e acadêmica dedicada à cidade e aos cidadãos. Hoje, mais de 44 anos após aquela manifestação, recordada por uma foto em preto e branco, Lins coordena o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da região metropolitana de Maceió, que inclui a capital outros 12 municípios.
Coordenando prática e pesquisa, Lins vê o passado vestir as mesmas roupas de destruição do meio ambiente e vulnerabilidade social e econômica de famílias alagoanas diante de um suposto “progresso econômico”. “Eu encontrei uma charge do jornalista Ênio Lins, de 1985, que mostrava as minas. Era a única coisa, porque naquele momento, qual era a questão? Era a poluição e a possibilidade de explosão da mina de sal-gema", afirma.
Confira a entrevista na íntegra:
Professora, eu estou aqui com uma foto de uma manifestação de 1985, na Praça Dom Pedro II, e foi um ato contra a produção da sal-gema que você está nessa foto. A senhora pode sobre o que você estava protestando naquele momento? Vocês já tinham uma dimensão do que que poderia acontecer no futuro?
Quando esse crime foi descoberto de fato, a partir de 2018, quando há o terremoto, se aprofundam algumas questões e se chega na Braskem, eu corri para procurar velhos amigos que ainda estão em Maceió. Eu queria saber se naquele momento a gente referenciava as minas de exploração.
Charge do jornalista Ênio Lins na Tribuna Hoje em 1985 / Ênio Lins
Eu encontrei uma charge do Ênio Lins, que é arquiteto e foi secretário de Cultura do Estado, que mostrava as minas. Era a única coisa, porque naquele momento, qual era a questão? Era a poluição e a possibilidade de explosão da mina de sal-gema. Qual era a grande questão? Era a localização da mina, naquele santuário ecológico, que era a base do complexo estuarino lagunar Mundaú-Manguaba, e vizinho a uma comunidade pesqueira e de artesanato, que era o Pontal da Barra.
Naquele momento, toda a mobilização era uma mobilização que discutia a possibilidade de poluição irreversível de todo esse complexo natural. A manifestação era isso: contra a possibilidade de expansão de um complexo industrial que já se sabia podia ser extremamente poluente.
Então naquela época já havia uma discussão sobre a Braskem naquela região?
Sim. Essa era a discussão. Não se chamava Braskem, tanto é que até hoje eu chamo de Salgema, porque o primeiro nome era Salgema. Ela teve três nomes durante o período lá de permanência. Salgema, depois Trikem e hoje Braskem.
Nós tínhamos começado todo esse movimento ainda em pleno regime militar. Então essa decisão de localizar é uma decisão que vem de cima pra baixo, mas que conta com o apoio da sociedade alagoana quase como um todo.
Já na década de 1980 as palavras de ordem contra a Braskem estampava as ruas de Maceió / Acervo da Tribuna de Alagoas - 1986
A Petrobras estava se deslocando de Maceió para Sergipe. Esse momento da foto já é a expansão da indústria matriz para o polo que seria alcoolquímico. E, para isso, faz-se também uma reestruturação urbana dessa cidade. Então, toda essa reestruturação ali naquela parte de trás da Salgema é muito instrumental para a expansão desse projeto químico.
Então tanto para a norte quanto para a sul, essa expansão urbana tem a interferência dessa instalação. Por exemplo, o Hotel Jatiúca é construído em 1979, exatamente na esteira dessa instalação. Não havia um lugar para as classes médias e altas que iam a serviço da Salgema, ou por outras razões, mas todas interconectadas. Então este hotel é construído nesse contexto e como uma boa parte da expansão aí disso que a gente chama a faixa marítima da cidade.
Como a senhora analisa os impactos do fato de a empresa vir a ter a posse dos imóveis esvaziados?
Se você pega outros exemplos de crimes de mineradoras, Brumadinho e Mariana, a empresa não passou a ser proprietária da área das casas que foram afetadas, mas passou a ser a gestora daquele território privado.
Segundo, há várias histórias de que a empresa agora é proprietária, que na hora em que as pessoas aceitaram aquela tal indenização – que eu não chamo indenização, mas de compensação – assinaram, na verdade, um documento de venda da propriedade.
Eu nunca consegui ter acesso a esses documentos. Mas uma advogada em uma entrevista me disse que imediatamente foi criado um cartório de registro de imóveis, para registrar imediatamente no nome da empresa todos os imóveis que ela pagou.
A empresa realmente proprietária das terras privadas? Primeira pergunta que ninguém ainda me respondeu. Quem tinham as posses eram os pobres que moravam aí no Mutange. Eles não tinham a propriedade, por isso que a compensação foi mais baixa. Então em tese a Braskem deveria ter a posse e fazer a gestão desse patrimônio privado, mas disse que ela agora é proprietária, porque registrou nesse cartório.
Manifestação contra a Braskem em 1986, em Maceió / Acervo da Tribuna de Alagoas - 1986
E terras públicas?
Segundo ponto, não pode ter comprado as terras públicas, porque as terras públicas, em tese, são bem comuns e quem é responsável pela gestão é a prefeitura. Então, a prefeitura tem que responder por isso.
Por fim, nenhuma empresa privada faz planejamento e gestão do uso do solo, porque isso é uma competência exclusiva do município, é constitucional. Então, a Braskem não pode estar fazendo desenho de planejamento de ocupação do solo. Mas tudo isso é mantido sob absoluto segredo. A gente não tem acesso a absolutamente nenhum dos documentos.
Todo dia eu recebo informação diferente, e não é de gente que não tem credibilidade. O maior problema de tudo é a dificuldade de ter acesso a informações verídicas, a informações e fatos que possam ajudar a você dimensionar o tamanho do problema.
A gente está trabalhando com hipóteses, porque a gente não tem acesso aos números. A gente não tem acesso aos fatos. A gente não sabe o que vai acontecer. No meio tem uma população que não tem como se defender, que tem que viver hoje, que tem que morar hoje, que tem que trabalhar hoje, que tem que circular hoje, que não pode esperar por governantes ou empresários.
Outro lado
Em nota, a Braskem informou que "não criou e, juridicamente, não pode criar cartórios de registro de imóveis". A empresa também esclareceu que a transferência de posse e propriedade está prevista nos acordos. "A partir da desocupação dos imóveis da área de desocupação e monitoramento, a empresa assume a posse dos imóveis, passando a adotar medidas para limpeza, conservação, controle de pragas, segurança patrimonial, entre outras, sempre em cooperação com o poder público. A transferência de propriedade dos imóveis indenizados também é prevista no acordo e é necessária para que a Braskem possa atuar na solução do problema", informou.
"No Termo de Acordo Socioambiental firmado com o Ministério Público Federal, com participação do Ministério Público do Estado de Alagoas, a Braskem se compromete a não edificar nas áreas desocupadas, para fins comerciais ou habitacionais. Discussões futuras sobre a área e sua utilização poderão ser feitas a partir do Plano Diretor do Município, instrumento amplamente debatido pelas autoridades e a sociedade, ou seja, em nenhum momento a decisão sobre o futuro da área caberá exclusivamente à Braskem.”
*Matéria atualizada em 11 de dezembro para inserção de posicionamento enviado pela Braskem.
Edição: Rebeca Cavalcante
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