Segunda, 8 de abril de 2013
Cartão Postal da cidade, o Bambolê da Dona Sara, como é conhecido pelos mais pioneiros, foi alvo de uma motosserra alucinante, em um ritmo de desflorestamento amazônico.
Texto e fotos por Chico Sant’Anna
Quem passou neste último fim de semana pelo Balão do Aeroporto deve
ter imaginado que uma hecatombe acontecera naquele local. Árvores
cinqüentenárias estavam todas rachadas, retorcidas, jogadas ao solo, sem
dó ou piedade. Mas não se tratava de nenhuma bomba atômica, destas que a
Coréia do Norte ameaça lançar. Os estragos foram todos feitos pela
Novacap e pela empresa que adapta a ligação viária entre o Aeroporto de
Brasília e o início do Plano Piloto.
A dimensão do diâmetro dos troncos das árvores da noção do tamanha da agressão protagonizada pelo GDF.
Cartão Postal da cidade, o Bambolê da Dona Sara, como é
conhecido pelos mais pioneiros, foi alvo de uma motosserra alucinante.
Em um ritmo de desflorestamento amazônico, espécies do cerrado de meio
século de existência, que de tão destruídas não eram passíveis de
reconhecimento, tombaram em minutos. Espécimes que testemunharam a
presença de desbravadores como Bernardo Sayão, Lúcio Costas e Israel
Pinheiro, já não mais estarão presente para fornecer sombras às futuras
gerações de brasilienses.
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O
Bambolê da Dona Sarah será todo recortado por atalhos viários. Do antigo
monumento Espaço Cósmico 81, apenas a base de apoio em concreto resta
no local. Fotos dos blogs da Conceição e do Cláudio Humberto
O próprio Balão do Aeroporto será um trevo deformado em sua essência, com mergulhões aqui, alças açula. Do velho bambolê só
deve restar o marco de concreto que segurava a escultura Monumental
Espaço Cósmico 81, de Yutaka Toyota. Exposta desde 1980, a obra em forma
de cubo foi retirada para realização de reformas no local em meados de
2005 e nunca mais se viu.
A beleza da natureza, os canteiros floridos que ali existiam, está dá
lugar a uma série de atalhos viários de asfalto de duvidosos e um túnel
traçados para que os carros possam trafegar com maior rapidez. Tudo
isso, para atender uma federação de futebol que, a exemplo do que os
técnicos chamam de “economia do circo”, realizará uma meia dúzia de
jogos na Capital Federal, raspará os cofres públicos e do público, e em
seguida, com a mala cheia de dinheiro, irá realizar a mesma façanha em
outras paragens.
Dirão alguns: mas a derrubada das árvores se fazia necessária. Ledo
engano: todo o trajeto do metrô no canteiro lateral do Eixão
teve as árvores removidas temporariamente e depois replantadas no mesmo
local. A Novacap tem a expertise deste trabalho. O problema é que o
processo é mais caro e demorado. Este é o preço que se paga pela falta
de planejamento e de capacidade laboral da atual gestão do GDF.
Economia de circo
O termo “economia de circo” é uma referência as troupes que
rotineiramente chegam a pequenas cidades, pedem apoio público para subir
as lonas, recolhem a poupança do público por meio da venda de
ingressos, souvenires, pipocas e algodão doce e depois de não ter mais o
que sugar naquela localidade, partem para a cidade mais próxima. No
município, não fica nenhuma arrecadação de impostos nem participação na
receita dos ingressos. Só o lixo a varrer.
Com a FIFA está sendo igual. Brasília está construindo um estádio
megalomaníaco, tudo nele é por conta do GDF que, para tanto, deixou de
investir em diversas áreas sociais. Mas o GDF não terá nenhuma
participação na receita dos jogos, na venda de imagens, nem mesmo nos
souvenires a serem vendidos nos arredores do Mané Garrincha que será
cercado como um forte apache.
Na contra-mão do aquecimento global, Brasília é uma cidade onde, cada vez mais, o verde perde espaço para o asfalto.
Pior! Até mesmo o título de patrimônio
histórico da cidade está constantemente em risco. Ícone desta
subserviência aos ditames desta federação, envolta em suspeitas de casos
obscuro mundo a fora, é o próprio estádio. Sua identidade tem que ser
escondida. O mundo não pode conhecê-lo pelo nome de Mané Garrincha. A
homenagem tem que desaparecer, pois impede ganhos com patrocínio e, quem
sabe, poderia render direitos autorais aos herdeiros do craque das
pernas tortas.
Subserviente, Agnelo Queiroz que, tentando esconder o verdadeiro nome
do estádio, já perdeu a primeira batalha com a Câmara Legislativa do
DF, agora envia um novo projeto, propondo uma moratória: durante os
jogos a denominação Mané Garrincha desaparece. Depois, quando a FIFA for
embora, o nome pode voltar. Espero que a CLDF não caia nesta esparrela.
As obras viárias implementadas pelo GDF apostam na sucateada
tecnologia de ônibus a diesel – soluções que as experiências de Quito,
Buenos Aires e Bogotá – já demonstraram ser de curta validade – e
aposentam as duas linhas previstas para o metrô, bem como os diversos
circuitos de Veículo Leve sobre Trilhos no Plano Piloto em Taguatinga.
Para tanto, o verde da cidade é sacrificado sem pestanejar. Foi assim
na obra da EPTG tocada por José Roberto Arruda, está sendo assim nas
obras do Expresso DF, na Epia, entre o Gama e o Plano Piloto, tocadas
por Agnelo Queiroz. Entre uma administração e outra não houve nenhuma
mudança de postura ambiental. Ambos usaram e usam a motosserra
levianamente. O resultado já é perceptível na EPTG. De Estrada Parque –
como o próprio nome a identifica – a via virou um maciço de asfalto e
concreto, impermeabilizando o solo, sem deixar áreas para a infiltração
das águas das chuvas, mas gerando imensas áreas alagadas.
É sintomático o silêncio de nossas autoridades ambientais distritais,
bem como dos parlamentares que se dizem ligados ao verde. Nada se ouve,
nenhum protesto, nenhuma ação efetiva. Aos poucos, o asfalto avança
sobre as sucupiras, quaresmeiras, aleluias. As vias ficam sem suas
sombras e ao brasiliense resta mais poluição e menos qualidade de vida.