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Miquel Fernández González, professor de antropologia da Universidade de Barcelona (Crédito: Raul Azêdo) |
O projeto de urbanismo adotado em Barcelona para as Olimpíadas de
1992 é tido hoje como referência em revitalização urbana. Mas por trás
desse modelo consagrado se esconde um processo de exclusão de populações
mais pobres de áreas históricas da cidade, repressão a movimentos
sociais e à imprensa e aumento da desigualdade social. De acordo com o
professor da Universidade de Barcelona (UB) Miquel Fernández González,
os problemas observados na cidade catalã vêm se repetindo no Rio, que se
prepara para os Jogos de 2016.
“O movimento olímpico cria um entusiasmo como estratégia para
encobrir a transformação da cidade em uma mercadoria que atenda às
necessidades dos turistas, isto é, da chamada ‘elite global’”, explica
González, que é pesquisador do Observatório de Antropologia do Conflito
Urbano da UB. O professor falou durante a o encontro “De Barcelona ao
Rio: O mito das Olimpíadas como desenvolvimento social”, organizado pelo
Comitê Popular da Copa e Olimpíadas na sede da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) na última quinta-feira, 14 de agosto.
Participaram também do evento Lucas Cuba, do Comitê Popular Contra o Estado de Exceção; Inalva Mendes Brito, da Associação de Moradores Vila Autódromo; e Fernanda Sánchez, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Daniel Mazola, secretário da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI abriu o evento saudando todos os presentes em nome da entidade e ressaltou o compromisso da ABI em defesa das lutas democráticas, a mesa foi mediada por Letícia Luna, do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas.
Para González, os jogos procuram construir uma ideia de “cidadania
global”, voltada mais ao o consumo do que à discussão dos problemas da
cidade. O professor afirma que desde 1988, quatro anos antes da
realização dos jogos, o governo iniciou uma dura repressão contra
movimentos anticapitalistas e anti-Estado espanhol [a Catalunha busca
sua autonomia em relação ao governo central da Espanha]. No mesmo
período, demoliu construções e expulsou a população mais pobre da região
conhecida como Ciutat Vella, abrindo o espaço para o investimento
imobiliário do bairro histórico.
“A herança das Olimpíadas trouxe um significativo crescimento
econômico para Catalunha nas décadas seguintes, mas acompanhado de um
aumento da desigualdade social. Nem toda a população se beneficiou com o
legado dos Jogos”, afirmou.
Fernanda Sanchez afirma que o “modelo Barcelona” nada mais é do que a
instauração de uma política urbana neoliberal e que o Rio de Janeiro
foi a porta de entrada do projeto que deve se repetir em outras cidades
brasileiras. “O modelo é adotado em estado puro: na retórica, na
intervenção urbana, etc. O que se busca é criar um consenso em torno da
ideia de um cidadão-figurante no lugar de um cidadão global”, explica a
professora. “Estamos buscando aqui uma outra conexão com Barcelona, uma
conexão pela esquerda, que analise os efeitos de uma ruptura social”,
completou.
Inalva Brito, por sua vez, mostrou o lado dos moradores da Vila
Autódromo, que vivem uma situação semelhante às dos moradores da Ciutat
Vella, de Barcelona. Atualmente os moradores estão proibidos de entrar
com materiais de construção na comunidade, que tem sua área cobiçada por
empreiteiras.