Segunda, 9 de agosto de 2010
Da "Auditoria Cidadã da Dívida"
Os jornais de hoje [9/8] promovem mais um ataque à Seguridade Social e à Previdência dos Servidores Públicos, argumentando que não há recursos suficientes e que por isso não é possível aumentar os gastos sociais, e que a Reforma da Previdência deve ser feita urgentemente.
O Jornal Folha de São Paulo traz manchete de capa alegando que a Seguridade Social teria apresentado déficit de R$ 3 bilhões no primeiro semestre, como se isso fosse um limitador aos gastos sociais.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que este suposto “déficit”, mesmo se realmente existisse, seria irrisório se comparado aos gastos com o endividamento, que chegam às centenas de bilhões de reais por ano.
Em segundo lugar, tal “déficit” é fabricado pelo jornal quando inclui indevidamente sob a responsabilidade da Seguridade Social os gastos com o Regime Próprio da Previdência dos Servidores. Tal inclusão é indevida pois a Constituição Federal, quando lista as áreas de atuação da Seguridade Social (previdência, saúde e assistência), define que “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral” (art. 201). Já o Regime Próprio dos Servidores é descrito em outra parte da Constituição, no Artigo 40. Retirando-se as despesas com os servidores inativos, verifica-se que a Seguridade é altamente superavitária.
Na realidade, toda esta discussão falaciosa sobre “déficit” da Seguridade Social faz parte de uma briga política: porque não se poderia gastar mais com o social, mas o país pode se endividar sem limite algum, em centenas de bilhões de reais, às maiores taxas de juros do mundo, para comprar uma montanha de reservas internacionais em dólares? Por que não se poderia gastar mais com o social, mas o Banco Central pode, sem limite algum, ter um prejuízo de R$ 147 bilhões em 2009 (cobertos pelo Tesouro), devido à desvalorização destas reservas em dólar? Por que não se pode gastar mais com o social, mas o Tesouro pode emitir nova dívida para pagar os juros da dívida que estão vencendo?
Já o jornal Correio Braziliense alega que os gastos com os servidores inativos teriam triplicado nos últimos 10 anos, enquanto o Editorial do jornal Valor Econômico diz que tais servidores seriam responsáveis por um déficit gigantesco, às custas do Tesouro. Ou seja: estes jornais também dão a entender que o problema nas contas públicas seria a Previdência dos servidores, e não a dívida pública.
Porém, é interessante observar a diferença no tratamento dos dados, quando se trata dos gastos com a dívida, e quando se trata dos gastos com a previdência dos servidores. No caso dos gastos com a previdência, o jornal Correio Braziliense se utiliza valores nominais, enquanto nos gastos com a dívida os jornais geralmente utilizam o dado de percentual do PIB, ou seja, descontando a inflação e o crescimento econômico verificado no período. Desta forma, se produz um crescimento inexistente nos gastos sociais.
Consultando-se os dados do Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento de abril/2010 (págs 13 e 14), e aplicando-se os dados do PIB, verifica-se que, de 2000 a 2009, os gastos com os servidores federais inativos não triplicaram, mas permaneceram estagnados em 2,09% do PIB. Já os gastos com o endividamento (juros e amortizações, excluindo o refinanciamento ou “rolagem”) aumentaram em nada menos que 5% do PIB no período, de 7% do PIB em 2000 para 12% do PIB em 2009, ou seja, seis vezes mais que os gastos com os servidores federais inativos, tão temidos pelos jornais.
Já o Editorial do Valor Econômico defende a “necessidade urgente de reforma” na previdência dos servidores federais, alegando um suposto “déficit” de R$ 47 bilhões em 2009. Porém, conforme comentado na edição de 26/07/2010 desta seção, tal “déficit” é fabricado pela mera subtração entre as contribuições previdenciárias e o pagamento de aposentadorias. Dado que nos últimos 20 anos o número de servidores ativos do Poder Executivo caiu (ao invés de acompanhar o crescimento econômico do período) é lógico que a relação entre ativos e inativos irá também cair, gerando o suposto “déficit”. Ou seja, isso nada tem a ver com uma suposta explosão de gastos com inativos, mas com o sucateamento do Estado, onde não há reposição suficiente dos servidores que se aposentam.
Um exemplo interessante da falácia deste “déficit” é que no Poder Judiciário, onde houve aumento de pessoal nas últimas décadas, há um gigantesco superávit na previdência dos servidores.