Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Duas ameaças

Quarta, 10 de novembro de 2010 
Por Ivan de Carvalho

 
    1. A primeira das ameaças está explícita em entrevista de Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada em sua edição impressa, bem como no site Estadão.com.br. A entrevista foi concedida a Jamil Chade, correspondente do jornal em Genebra.

   Julian Assange deixa claro seu incômodo com o fato de não ter residência fixa, só andar com escolta armada e ver seus funcionários sendo detidos por policiais em vários países. “A censura está muito mais generalizada e profunda do que a sociedade imagina”, alerta ele, em um aviso que soa como ameaça à cidadania e à liberdade, em âmbito mundial. Esta é uma ameaça grave, mas não é uma daquelas duas às quais me referia ao escolher o título deste artigo.

    Vale lembrar que o WikiLeaks é o site que, em agosto, divulgou informações e documentos secretos do Pentágono sobre terrorismo, incluindo torturas e tratamento degradante a presos no Iraque, praticados por militares iraquianos, mas com o conhecimento e sem nenhuma objeção dos militares americanos. A denúncia causou profundo mal estar na comunidade militar norte-americana. E gerou reações policiais e de inteligência interna no Pentágono, com elaboração de lista de possíveis suspeitos de serem fontes do site WikiLeaks e riscos à liberdade de imprensa, segundo assinalou Assange.

    Mas, e afinal, qual a ameaça que valeu metade do título do artigo? Simples. Julian Assange, respondendo a uma pergunta sobre se “material sobre o Brasil poderá ser publicado em breve”, respondeu: “Sim. Não posso dizer de quem se trata. Sabemos que parte da informação que temos sobre o Brasil poderia ter abalado as pretensões eleitorais de algumas pessoas. Mas não conseguimos ter tempo de publicar o material antes, diante de todo o caso do Iraque.” Bem, esta é a primeira ameaça. Persiste, de certo modo, mesmo passadas as eleições, ainda que não vá mais impedir êxitos eleitorais.

    2. A segunda ameaça. Os rumores, não confirmados, mas não desfeitos, de que uma parte importante do Democratas (DEM) está articulando uma fusão com o PMDB, uma parte que incluiria até o ex-presidente do PFL (atual DEM) e ex-senador Jorge Bornhausenm, presidente de honra do DEM. Ora, o eleitorado colocou o Democratas, assim como o PSDB e o PPS, na oposição ao governo Dilma Rousseff. Numa qualificação ideológica que considero superada, mas continua sendo usada correntemente, o PSDB e o PPS se declaram de centro-esquerda, um e de esquerda, o outro. O DEM é o único partido de centro-direita na oposição e no país. Deveria representar a faixa correspondente do eleitorado e da sociedade.

    Mas, caso faça a fusão com o PMDB, que ou é de centro ou não é nada, tal é a mistura que o constitui e tão ecléticos são seus interesses, o Democratas vai se descaracterizar absolutamente. A faixa da sociedade que teoricamente representa ficaria – aí está a ameaça – totalmente sem representação. Trata-se, ocorrendo, de infidelidade partidária. Não a infidelidade do político filiado ao seu partido, mas a infidelidade do partido ao seu eleitorado. O que retira deste eleitorado o instrumento de expressão de sua vontade política. Não é bom para o exercício da democracia.

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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.