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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Alvos não faltam

Quinta, 20 de junho de 2013
Por Ivan de Carvalho
     Salvador certamente aguarda com intensa expectativa a manifestação popular anunciada para hoje, começando às 14 horas com uma concentração no Campo Grande, de onde sairá uma passeata que pretende chegar – mas dificilmente conseguirá – ao estádio da Fonte Nova, onde ocorrerá a primeira partida válida pela Copa das Confederações em Salvador, entre Uruguai e Nigéria.

         
        Desde a noite de terça-feira e durante a quarta-feira, em várias capitais e Estados foram anunciadas reduções do preço das passagens de ônibus, que, como se sabe, foram a gota d’água para a deflagração da surpreendente onde de manifestações de rua. Estas se alastram pelo país, já atingindo não somente cerca de metade das capitais como se estendendo a cidades do interior em vários Estados.

         
       O apressado anúncio da redução das passagens que haviam sido majoradas para tentar acalmar as multidões tem sido a regra geral, mas há que registrar honrosas exceções. Algumas reduções ocorreram antes da deflagração do movimento popular, por decisão espontânea das autoridades responsáveis. No caso de Salvador, o prefeito ACM Neto prometera que não aumentaria o preço das passagens de ônibus e não o fez. Cumprindo a promessa, não se tornou um alvo do movimento.


        O jogo da apressada redução das passagens de ônibus – e, em São Paulo, do metrô e dos trens – como uma forma de esvaziar as manifestações de rua pode funcionar ou não. Será precisa aguardar o efeito dessa redução. Isto porque, como logo ficou claro, o aumento das passagens foi a gota d’água que fez transbordar o copo de amarguras que vem sendo servido à nação. Mas o copo, retirando-se essa gota, continuará cheio.


        Aí estão os gastos supérfluos de mais de R$ 7 bilhões só para os estádios construídos ou reformados para atender às exigências da Fifa, uma organização mais do que suspeita sob o aspecto da honestidade. A realização da Copa do Mundo deverá custar, informa o excelente e conceituado site Contas Abertas, 28 bilhões de reais. Muitas iniciativas aí incluídas seriam úteis depois, mas apenas 12,7 por cento disso foi executado e menos da metade, contratado.


        Mas, quanto aos 12 estádios, 60 por cento das obras estão executadas e 96 por cento contratadas. Aí o dinheiro está entrando firme e a administração pública está se mexendo com agilidade, embora haja reclamações de que em certos casos há demasiada agilidade em relação aos recursos financeiros.


      O site Contas Abertas assinala “filas em hospitais” – poderia acrescentar o péssimo atendimento e a revoltante qualidade inferior de muitos materiais destinados aos pacientes do SUS, a exemplo dos ultrapassados stents “convencionais”. Eles entopem com frequência e matam pessoas ou até levam os médicos a optarem pela grande cirurgia de revascularização, procedimento mais arriscado e extremamente traumático, mas que dispensa o stent ultrapassado, único que o SUS fornece. Esse stent é mais barato, tem o preço que o governo parece atribuir à vida humana.


        Bem, se as passagens de ônibus urbanos estão voltando aos valores anteriores, o atual movimento popular permanece com outras bandeiras, a exemplo do dinheiro gasto superfluamente nos 12 estádios. Esses estádios são o alvo mais objetivo e imediato, ainda que haja outros, como a inflação e os setores de saúde, educação e segurança públicas.


        Daí que a passeata de hoje em Salvador deverá buscar o rumo da Fonte Nova. Mas há que lembrar que existe o “perímetro da Fifa”, de modo que mal comece a se deslocar do Campo Grande a manifestação, alcançará o limite desse perímetro. E, se como ocorreu ontem em Fortaleza, a barreira policial. O Distrito Federal e quatro Estados pediram ao governo federal contingentes da Força Nacional de Segurança. Um desses Estados foi a Bahia. Por hoje e certamente por sábado, quando o Brasil enfrenta a Itália no estádio da Fonte Nova e uma outra manifestação poderá – ou não –ocorrer.

Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.