Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Carona maliciosa

Sexta, 21 de junho de 2013

Por Ivan de Carvalho


A Avenida Presidente Vargas, uma das duas mais importantes do Rio de Janeiro, tem três quilômetros de extensão. Ontem, foi completamente ocupada pelos manifestantes, uma das maiores manifestações já ocorridas na história da cidade, e isto foi apenas o ato maior de não menos de oitenta manifestações de rua realizadas no Brasil, em capitais, cidades de regiões metropolitanas e outras.


        O movimento popular deflagrado pela espoleta do aumento dos preços de passagens de ônibus, metrô e trem em São Paulo e rapidamente assimilado pelo restante do país levou a presidente Dilma Rousseff a cancelar duas viagens, a primeira à Bahia e a outra, que começaria na segunda-feira, ao Japão.


A razão dos cancelamentos é a onda de manifestações populares, cuja irrupção e força surpreendeu o país e persiste – até ontem num crescendo – não sendo ainda possível quando a população envolvida vai considerar que passou completamente sua mensagem aos governantes. Estes, no entanto, têm motivos de sobra para a mais profunda preocupação. Resta saber se vão optar por ouvir “a voz rouca das ruas” e buscar dar-lhe consequência ou se optarão pelo engano, pela embromação.


Um mau sinal foi a orientação discreta dada pelo PT e seu braço sindical, a CUT, para que militantes seus se infiltrassem nas manifestações, pegando uma carona no movimento alheio. Isto se concretizou ontem nas manifestações de Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro.


A primeira começou sob tensão porque partidos como o PT e o PSTU levaram bandeiras e carros de som para o ponto de concentração, numa óbvia tentativa de sequestrarem o movimento popular. Foram confrontados com gritos de “sem partido, sem partido” pelos manifestantes de verdade, que buscaram ficar longe da minoria de militantes partidários para evitar que o movimento popular fosse associado às bandeiras que os adeptos daqueles partidos carregavam.


Em São Paulo, um pequeno grupo com bandeiras do PT e de seu braço sindical, a CUT, foi alvo de manifestações de desagrado e de vaias, mas não desgrudou da passeata. Diferente do que ocorreu no Rio de Janeiro, onde os manifestantes foram mais criativos – convenceram com argumentos fortes os militantes da CUT que levavam bandeiras a fazerem uma passeata paralela, de modo a não confundir as coisas.


Confundir a nação é tudo que o PT e a CUT querem ao tentar infiltrar-se, ainda mais com bandeiras, nessas manifestações populares. Ora, se o PT, que é o partido no poder federal e em uma grande parte das outras instâncias, exibe suas bandeiras nas manifestações de protesto, em muitas mentes pode-se se instalar a confusão sobre a origem, as razões e as finalidades do movimento popular em curso. Desde o princípio que as manifestações têm rejeitado qualquer identificação com organizações que tirem o caráter independente e espontâneo do movimento.


Em Salvador, a manifestação acabou, em parte, envolvendo-se em episódios de violência. Fica difícil apontar qual o lado (manifestantes, polícia ou manifestantes dissidentes) começou algum incidente de violência aqui ou ali. Nesse aspecto, a única coisa que ficou clara foi que a primeira iniciativa de violência foi da polícia.


A manifestação, saindo do Campo Grande, onde seus integrantes se haviam concentrado, seguiu pela Avenida Joana Angélica até atingir o Colégio Central da Bahia. Aí, parou para decidir o que fazer, já que divisou pouco mais adiante uma barreira policial evidentemente posicionada para não deixar a passeata avançar em direção ao estádio da Fonte Nova, o alvo previamente anunciado. Foi neste momento que a polícia começou a lançar bombas de gás e de “efeito moral”. A reação aconteceu na forma de pedras e garrafas lançadas por manifestantes e, daí em diante, incidentes ocorreram em alguns pontos do entorno da Fonte Nova, a exemplo do Dique do Tororó e do bairro da Saúde.


O impasse na caminhada dos manifestantes em direção ao estádio da Fonte Nova era previsto. Isto porque o Estado está comprometido a proteger o que podemos chamar de “perímetro da Fifa”, representado pelo limite de dois quilômetros a partir do estádio. Os manifestantes pretendiam ultrapassar esse perímetro.



Ivan de Carvalho é jornalista baiano.

Este arquivo foi publicado originariamente na Tribuna desta sexta.