Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 14 de setembro de 2013

Das coisas importantes

Sábado, 14 de setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Enganam-se absolutamente os que consideram o resultado do julgamento do Mensalão, previsto para a próxima quarta-feira, quando será tomado o voto de Minerva do ministro Celso de Mello sobre a admissibilidade de embargos infringentes na Ação 470, o assunto mais importante no país nesses dias. Pelo menos, há alternativa.
  
       Importante é, sem dúvida, pois que o escândalo do Mensalão foi denunciado em 2005 pelo partícipe e presidente nacional do PTB, então deputado Roberto Jefferson, em 2007 foi recebida a denúncia do procurador geral do Ministério Público pelo Supremo Tribunal Federal e, no dia 17 de dezembro do ano passado, pronunciada a última sentença.
 
De 2 de agosto a 17 de dezembro de 2012, 25 dos 38 réus foram condenados por múltiplos crimes e a nação acompanhou o maior escândalo da história do país – a tentativa de apropriação, por corrupção – compra da conduta de pessoas, congressistas – de um dos três Poderes da República por pessoas que integravam a cúpula de outro desses Poderes ou de um determinado partido político, com o aliciamento e os préstimos de ajudantes da parte podre do mundo empresarial.
 
Importante é, insisto, porque o que se fez não foi somente comprar pessoas que haviam recebido mandato eletivo no órgão máximo do Poder Legislativo brasileiro, foi tentar – e quase com êxito, com eficaz funcionamento só interrompido pela inesperada e bendita denúncia do deputado Roberto Jefferson, ao perceber que queriam dar-lhe e ao partido que presidia uma rasteira.
 
O que se fez foi tentar comprar a democracia, transformando-a em ditadura dissimulada. Pois não seriam batalhões de choque, bombas de “efeito moral”, balas de borracha e das outras, cassetetes e spray de pimenta (entre tantos outros itens do arsenal de uma ditadura do tipo comum) que ditariam as regras. Nem Atos Institucionais. Seriam leis e emendas constitucionais votadas na forma prevista pela Constituição da República, mas não segundo a consciência dos congressistas e sim de acordo com as verbas distribuídas em tenebrosas reuniões e, às vezes, transportadas na cueca, se dólares, em lugares menos recônditos, se reais.
 
Ora, pela terceira vez digo que tudo isso faz muito importante o desfecho previsto para a quarta-feira, com o voto de Minerva do competente e de caráter ilibado – o que não se pode assegurar a respeito de todos os outros.  Mas essas qualidades do ministro Celso de Mello não o tornam infalível, especialmente ante uma situação para ele inescapavelmente difícil.
 
Mas talvez, durante este fim de semana, não deva a nação franzir a testa ante a possibilidade de ver emergir da lagoa, em toda sua glória, a impunidade que ousamos todos nós sonhar que dera um primeiro e importante passo para submergir quando, em 17 de dezembro, foi dada a sentença que encerrou a primeira fase do julgamento.
 
E nos dispomos todos, animados, a enfrentar a segunda fase, a dos embargos, aparentemente só um complemento, mas na qual havia um tumor, o dos “embargos infringentes”, que se acreditava seria lancetado. Mas ministros tiveram que aposentar-se compulsoriamente e ministros novatos chegaram para mudar a composição do tribunal e ajudar alguns outros que já estavam lá a proteger o tumor.
 
Bem, deixemos o honrado ministro Celso de Mello com suas dores (como Joaquim Barbosa tem as dele, de outra natureza, ortopédicas) e voltemos ao fim de semana. Aproveitemos para espairecer, para curtir, por exemplo, a importante notícia de que o governo do Rio de Janeiro acaba de criar o programa “Bolsa Fraldão” (não sou contra, acho tão importante quanto o Mensalão), pois nos próximos “dias úteis”, expressão apropriada a patrões, estaremos sujeitos a curvar a cabeça e pedir ao Senhor que, após o milagre, conforte os condenados, ou a cair de joelhos e perguntar a Ele porque deixou submergir a esperança e emergir gloriosa a impunidade. Não pelos 12 tristes réus que podem ser beneficiados por eventuais embargos infringentes e pelo esticamento do processo do Mensalão, mas pela descrença que, em sua glória, a afirmação da impunidade espalharia e pelo que isso teria de desestímulo à sociedade na luta contra a corrupção. E de sofrimento para todos aqueles a que se destinam os tributos desviados para a roubalheira quase generalizada.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.