Sábado, 14 de setembro de 2013
Da Pública Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Emails, planilhas, fotos e denúncias de ex-gerente de segurança, que
representa contra a companhia no MPF, mostram que a Vale espiona os
movimentos sociais e grampeia funcionários - e até jornalistas - para
defender seus interesses
“Tem que deixar o buraco do rato, não pode encurralar, isso eu
aprendi no Exército”. A frase crua expressa a revolta de André Luis
Costa de Almeida, 40 anos, ao explicar por que decidiu revelar o que
sabe sobre a área de vigilância e inteligência da Vale S.A, onde
trabalhou durante oito anos – nos dois primeiros como terceirizado e
depois como funcionário do Departamento de Segurança Empresarial. Ele
era responsável pelo serviço de inteligência e gestor de contratos da
Vale com empresas terceirizadas da área, quando foi demitido, em março
de 2012.
“Eu tentei conversar, mandei e-mails, nada: eles prometeram que não
iam me demitir por justa causa, voltaram atrás, depois disseram que
manteriam sigilo sobre o assunto mas chamaram meu novo chefe para dizer
que minha presença dificultaria a relação comercial dele com a Vale.
Tive que sair, não podia prejudicar o cara. Agora eu não me importo com
mais nada: só quero que a verdade apareça”, disse logo no primeiro
encontro com a Pública, em meados de maio.
Um ano depois de sua demissão – em 18 de março deste ano – André Almeida entrou com uma representação no Ministério Público Federal
afirmando que “participava de reuniões, recebia relatórios e era
informado formal e informalmente de diversas situações que considero
antiéticas, contra as normas internas e/ou ilegais”, admitindo que “por
pressão sobre o meu emprego, me sujeitei a executá-las”, e anexando
demonstrativos de notas fiscais que descrevem entre os serviços
contratados pela Vale à empresa de inteligência Network, do Rio de Janeiro: a infiltração de agentes em movimentos sociais (no Rio, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e Maranhão); o pagamento de propinas a funcionários públicos
(para obter informações de apoio às “investigações internas”, na
Polícia Federal e em órgãos da Justiça em São Paulo); quebra de sigilo
bancário e da Receita (de funcionários, até mesmo diretores), “grampos telefônicos” (entre eles o da jornalista Vera Durão, quando ela trabalhava no jornal Valor Econômico), “dossiês de políticos”
(com informações públicas e “outras conseguidas por meios não públicos”
sobre políticos e representantes de movimentos sociais).
Recusando o café e a água oferecidos em um bar no aeroporto do Santos
Dumont, e atropelando as frases, André contou a história que o levou à
Vale depois de 8 anos de exército, convidado por um colega de CPOR,
Ricardo Gruba, depois diretor do departamento de Segurança Empresarial: a
central de espionagem da Vale, que emprega cerca de 200 funcionários e
utiliza quase 4 mil terceirizados (os números foram fornecidos por
André, a Vale não disponibiliza a informação). Responsabilizou-se
pessoalmente pela instalação de grampos nos telefones de dois
funcionários, um deles o gerente-geral de imprensa, Fernando Thompson, e
revelou a existência de uma série de dossiês contra lideranças sociais
como o advogado Danilo Chammas e o padre Dario, da ONG Justiça dos
Trilhos, de Açailândia, Maranhão; o premiado jornalista Lúcio Flávio Pinto,
crítico aguerrido da atuação da empresa no Pará; Raimundo Gomes Cruz
Neto, sociólogo e agrônomo do Cepasp – Centro de Educação, Pesquisa,
Assessoria Sindical e Popular – em Marabá (PA); Charles Trocate, líder
do MST, e até da presidente Dilma Roussef, quando ela era ministra das
Minas e Energia. “Algumas informações como essas sobre a Dilma eram
obtidas através de dados públicos, notícias de jornais, redes sociais,
mas outras eram levantadas através de espionagem mesmo, incluindo a dos
infiltrados”, diz André Almeida.
Sobre os demonstrativos de nota fiscal entregues ao MPF, explicou que
eles lhe eram passados pela Network para conferência dos serviços a
serem pagos, e não apareciam discriminados nas notas fiscais emitidas
pelo Departamento de Suprimentos, que ignorava a natureza exata dos
serviços prestados. “Era minha função receber esses dados e conferir
junto aos solicitantes [da Vale], pois, além dos itens fixos, outros
eram pedidos diretamente pelos integrantes do Departamento de Segurança
Empresarial sem passar pelo meu crivo”, explicou. Os dados da Network
eram comparados aos das planilhas confeccionadas pelos funcionários da
Vale que solicitavam os serviços, orientação reforçada por um e-mail de outubro de 2011
do diretor de Segurança Empresarial, Gilberto Ramalho (que substituiu
Gruba em 2011), “visando melhor controle sobre a apropriação dos
serviços prestados pela Network”, que dava as instruções para o
preenchimento das planilhas.
“Um exemplo de pedido direto (à Network) foi a infiltração de um
agente no movimento Justiça nos Trilhos pelo Gerente Geral de Segurança
Norte, Roberto Monteiro”, diz, mostrando um demonstrativo de junho de 2011,
com o pagamento total de R$247.807,74 a Network. Ali, na prestação de
contas do Escritório Norte (Pará e Maranhão), no item “Rede Açailândia”,
consta a despesa de R$ 1.635,00 referente ao “recrutamento de
colaborador de nível superior, em fase experimental, para atuar junto à
Justiça nos Trilhos e outras atividades dos MS (Movimentos Sociais) em
Açailândia/Maranhão”.