Quinta, 5 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Sob pressão irresistível da opinião
pública inconformada com a preservação do mandato do deputado-presidiário Natan
Donadon, condenado por corrupção, a Câmara dos Deputados tentou reduzir o
desgaste. Tudo que conseguiu foi aprovar, em segunda votação (a primeira
ocorrera há anos) uma Proposta de Emenda Constitucional que é uma agressão à
prática da democracia e da liberdade no próprio Congresso e nas demais casas
parlamentares de todo o país. Muito mais do que isso: essa PEC pode ser
considerada um golpe contra o exercício da democracia.
Toda essa amplitude é porque a PEC acaba com todo tipo de voto secreto não somente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, mas também nas Assembléias Legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais.
O que aconteceu? Bem, a Mesa da Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado Henrique Eduardo Alves, do PMDB, tem, em princípio e no momento, poderes expressos em dispositivo da Constituição da República para declarar a perda do mandato de deputado que haja sido condenado criminalmente, com decisão transitada em julgado. Donadon, ao ser condenado pelo STF e, esgotados todos os recursos, ter sua sentença transitada em julgado, perdeu automaticamente seus direitos políticos, por imposição constitucional.
Assim, de acordo com um dispositivo da Constituição, a Mesa da Câmara deveria (em princípio, pois uma polêmica malandra está sendo levantada no STF atualmente) declarar automaticamente a perda de mandato, num ato formal de caráter burocrático, equivalente ao de um tabelião que carimba e assina um documento. Mas o presidente Henrique Eduardo Alves resolveu não ter a devida coragem e transferiu ao plenário a decisão. O quorum para a cassação não foi atingido. O mandato maldito do deputado presidiário sem direitos políticos foi preservado. A Câmara criou, assim, uma nova e muito mais escandalosa versão do monstro de Frankstein.
Na tentativa de reduzir o que ele mesmo qualificou de o “maior dano” já sofrido pela Câmara dos Deputados, o presidente Henrique Eduardo Alves – além de “suspender” o mandato de Donadon e convocar o suplente Amir Lando (ex-ministro de Lula e, antes, relator da CPI de PC Farias, que deu origem ao processo do impeachment de Fernando Collor) – colocou em votação, às pressas, a PEC que acaba todo tipo de voto secreto nas casas legislativas.
Bem, antes de chegar ao principal, um detalhe intrigante: essa história de acabar todo voto secreto nos parlamentos pode ajudar a formar uma espécie de “jurisprudência política” no sentido de que, senadores e deputados com sentença criminal transitada em julgado, podem ter seu mandato cassado somente por decisão do plenário, desde que o voto seja aberto, ao invés de secreto. Talvez alguns espertos hajam pensado nisso, embora possam estar um tanto desanimados com a decisão de ontem do STF, em relação ao deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. O Supremo confirmou, julgando embargo do petista, que, no caso dos condenados do Mensalão, cabe ao STF decretar a cassação do mandato parlamentar, cabendo tão somente à Mesa da Câmara declarar a perda. O plenário, ficou claro, não tem nada com isso.
A sorte é que ainda existe o Senado. Lá, um movimento pode levar a mudança na PEC. Até porque já existia, do Senado, uma PEC que tornava aberto o voto secreto quando se tratasse de cassação (ou não) de mandato parlamentar. O movimento que quer mudar a PEC aprovada na Câmara pretende exatamente extinguir o voto secreto nos casos que envolvam cassação de mandato de integrantes da Casa Legislativa (para minimizar efeitos do corporativismo). Permaneceriam secretos (ao contrário do que pretende a PEC aprovada na Câmara) os votos nos demais casos. No Senado, por exemplo, continuaria secreto o voto para aprovação (ou rejeição) de nomes indicados para ministros do STF e tribunais superiores, ministros do TCU, governador de território, presidente e diretores do Banco Central, procurador-geral da República, da exoneração, de ofício, do procurador-geral da República antes do fim de seu mandato, na votação das indicações de chefes de missões diplomáticas e dos vetos do presidente da República (estes, nas sessões do Congresso). Também a eleição dos presidentes e das Mesas Diretoras do Senado e Câmara continuaria sendo por voto secreto.
Tornar abertos estes votos, como quer a PEC aprovada pela Câmara, submete os parlamentares a pressões talvez irresistíveis do Executivo e a injunções outras, de variados tipos. Nesses casos todos, o voto secreto é uma garantia e o voto aberto é uma ameaça a decisões independentes e democráticas.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.