Sábado, 15 de março de 2014
Em liminar, juiz considerou que a licitação de R$ 10 bilhões favoreceria o fundador da companhia aérea Gol, Nenê Constantino
Marcela Mattos, de Brasília
Da Revista Veja — 15/3/2014
O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz
(Jefferson Bernardes)
A Justiça Federal acatou pedido do Ministério Público e suspendeu,
em decisão liminar, uma licitação bilionária conduzida pelo governo do
petista Agnelo Queiroz para substituir as empresas de ônibus que
controlam todo o transporte do Distrito Federal (DF). O juiz Antônio
Cláudio Macedo da Silva, titular da 8ª Vara, suspendeu os repasses de
recursos do BNDES e do Finame - Agência Especial de Financiamento
Industrial – a contratos que beneficiaram a Viação Piracicabana e a
Viação Marechal. As ações serviam para favorecer o fundador da companhia
aérea Gol e dono de grupo de transportes coletivos, Nenê Constantino. A
sentença foi proferida na última sexta-feira. Ao todo, foram licitadas
cinco bacias, com a previsão de troca de toda a frota de ônibus. O
negócio renderia aos empresários do setor quase 10 bilhões de reais em
dez anos.
A suspensão foi baseada na participação do escritório dos advogados
Guilherme Gonçalves e Sacha Reck no processo, responsáveis por elaborar
os julgamentos de habilitação e classificação em nome da Comissão de
Licitação ao mesmo tempo em que advogavam para empresas participantes – e
vitoriosas – do edital. A Justiça Federal acatou denúncia que afirmava
que a atividade de consultoria do escritório na licitação “ultrapassou a
função de mera consultoria, atuando como efetivos julgadores dos atos
relacionados ao processo licitatório” e concluiu que o advogado Sacha
Reck participou na elaboração da ata de apresentação dos envelopes.
Além disso, a empresa que iniciou os trabalhos de elaboração do
edital, a Logitrans, tem entre seus diretores o pai do advogado Sacha
Reck, Garrone Reck. A atuação dos dois já era conhecida: por ato
idêntico ao praticado no DF, os dois tiveram os bens bloqueados a pedido
do Tribunal de Justiça do Paraná e estão sendo investigados no Estado
por improbidade administrativa e fraudes em licitação.
Além do direcionamento do edital, ficou constatado o superfaturamento
das tarifas em razão da ausência de competitividade. O parecer aponta
ainda que documentos essenciais para o processo licitatório foram
sonegados dos órgãos fiscalizadores. Na contestação, o governo do
Distrito Federal alegou que as propostas vencedoras eram vantajosas e
considerou irrelevantes as ações contra Sacha e Garrone Reck.
Na decisão, o juiz Antônio Cláudio da Silva fez duras críticas à
condução da licitação. “Com efeito, são inúmeras irregularidades que
comparecem no processo licitatório. E a primeira pergunta que se impõe
é: qual tipo de administração pública queremos? Transparente ou
patrimonialista?”, disse em seu parecer. “No Brasil que já promoveu o
impeachment de um presidente da República sem abalar as instituições
políticas do Estado Democrático de Direito na carta de 1988; que já
trocou de padrão monetário diversas vezes, mas alcançou a dignidade da
cidadania monetária, venho repetindo o absurdo de um processo
licitatório que não pode ocorrer no coração da República”, continuou.
O conflito de interesses está demonstrado e só vem a confirmar a
fragilidade dessa licitação. O pior de tudo é que a promessa de melhoria
de transporte não acontece. O edital beneficia os empresários, mas não a
população”, afirmou a deputada distrital Celina Leão (PDT-DF), autora
da ação civil pública contra o processo licitatório.