Segunda,
14 de julho de 2014
Vittorio
Medioli
Publicado originariamente no jornal O Tempo
Publicado originariamente no jornal O Tempo
Nenhum dos atletas escalados para o jogo contra a Alemanha
gostaria de ter vestido aquela camisa, já que fatalmente a história não o
esquecerá. Essa derrota será uma perseguição vitalícia, um legado indissolúvel.
O dia em que o mundo desabou sobre uma seleção pentacampeã.
Mais que perder uma Copa, o Brasil pagará ainda caro por ter
perdido a oportunidade de resgatar inúmeras dívidas sociais com os US$ 15
bilhões aplicados no “padrão Fifa”, especialmente em estádios que ficarão aí
para lembrar quanto imprevidentes e tresloucados foram os governantes do país.
A Copa serviu para fantasiar um país cheio de absurdos e
desfilar num Carnaval como país desenvolvido dentro de estádios, deixando de
fora 40 milhões de miseráveis que nunca terão acesso a eles – que sobrevivem de
esmolas, pior, se satisfazem delas.
A Copa foi a oportunidade de pautar o Brasil
internacionalmente. Passou insistentemente nas redes europeias. Estou
escrevendo agora da Itália, e assisti a reportagens especiais que entraram nas
favelas, nos cortiços e mostraram os “opostos”, as “lendas” do Brasil que ainda
fascinam o mundo, especialmente quem não o conhece de perto.
GIGANTE ADORMECIDO
A imagem do gigante adormecido passou inúmeras vezes, esse
que levanta e desafia o mundo, mas não resiste a sete golpes de um canhão
alemão. A imagem passa e mostra que o gigante tem estádios de ouro e pés de
barro, que o farão recair a partir de hoje em seu berço esplêndido. Aí voltará
a roncar imerso em contradições, sonhos e pesadelos.
Mostrou-se com inequívoca precisão, exatamente, o delírio de
governantes que convivem perdulariamente com opostos e desigualdades, fazendo
demagogia barata, improvisando sem planejamento, explorando o analfabetismo
funcional que crassa na população. Lembram-se das quase 40 milhões de pessoas
morando em favelas, apinhadas em morros, sem saneamento, em volta de estádios
monumentais, que depois da Copa ficarão como elefantes brancos, para consumir
gastos de manutenção.
Aparece nas telas que, no Brasil, o sistema de saúde, ainda,
existe apenas para quem tem dinheiro para pagar; já para os barnabés, fica a
triste desolação de ambientes que rivalizam em asseio com os matadouros do
maior exportador de carne do planeta.
A imprensa anotou as vaias e os palavrões contra Dilma no
dia da estreia. Assustou a forma de se receber uma autoridade, “Presidenta”. Jornalistas
de línguas latinas estranharam o “enta”, que soa de maneira estranha a quem
mastiga a gramática “latina” elementar.
USURPAÇÃO
Presidenta, fazia-se notar, é uma usurpação, um acinte
linguístico pretensioso de quem, mais que interessada em feminismo, se
estigmatiza pelo estupro da língua pátria. Mussolini cunhou para si o apelido
de “Duce”, tirando-o das glórias de conquistadores como Júlio César, Pompéu,
Otaviano e Scipione, que fizeram a grandeza de Roma. Na Rússia, os
reis/imperadores assumiram o “Czar”, inspirando-se nos inefáveis Césares;
Hitler adotou para si o titulo de “Fuhrer”; enquanto Napoleão o antecedeu no
século XIX com o clássico “Imperador”. Todos, com a sensatez mínima de
respeitar as raízes históricas e a gramática.
Jornalistas se perguntavam, nesses dias, como uma pessoa
pode se gabar de entrar na história com um título que assassina a sua língua.
Também fizeram da PresidentA uma inevitável comparação com a singela e cometida
chanceler alemã Ângela Merkel. Uma delas figura desenvolvendo um país que
passou por provações e destruições terríveis; a outra, “destroçando” a economia
de um país que poderia crescer a um ritmo bem superior ao da “pobre” China e ao
do “formigueiro” da Índia. Países, ambos, que conseguiram nos últimos 12 anos
crescer quase sete vezes mais que o mais aquinhoado, por natureza, dos Brics.
A derrota, em si, destaca a imprensa, não arranhou o brilho
de um povo acolhedor e alegre, simples e hospitaleiro, imerso numa natureza
majestosa e deslumbrante. Isso pelo menos ficou e serve para simpatizar o
brasileiro. O “made in Brazil” saiu ganhando. Quem perdeu mesmo de 7 a 1 são os
governantes, a elite tupiniquim que ainda precisa explicar como se pode optar
por estádios sem ter escolas e hospitais. Carecendo, ainda, endemicamente de
portos e de metrôs, mas pensando em trem-bala.
Enfim, o cabalístico sete, número “divino” por excelência,
sacramentaliza a somatória dos erros de quem não conseguiu aproveitar de seus
talentos para se defender e menos ainda para atacar.
50 MIL HOMICÍDIOS
A Copa permitiu ao mundo refletir e não encontrar explicação
pelos 50 mil homicídios que se contabilizam no país em apenas 12 meses. Outro 7
a 1 em mortes violentas comparando-se com as mortes do Afeganistão e do Iraque,
que vivem a guerra civil. Não bastasse, pareceu que aqui se desenvolveu um dos
maiores mercados de consumo de drogas, invadido pelo pó da Bolívia, do “aliado”
Evo Morales, a quem dispensamos do bom e do melhor.
Os distúrbios em volta dos estádios fizeram aparição também
nas telas, estarrecendo a violência com que eram reprimidos com “clava forte”,
destacando que uma minoria estudantil, insatisfeita, não se conforma com os
gastos faraônicos da Copa.
Destaque para o gigante, tomado por governantes aloprados e
perdulários, que se aproveitam da ignorância funcional de um povo amansado por
esmolas, que, ainda, não conta com uma oposição no sentido correto e
democrático da palavra. Todos se esbaldando de hipersalários e de mordomias.
Pois é, o gigante não conseguiu se levantar nem desta vez. A
sensação é que voltará a roncar, que a democracia tão almejada continua uma
ingênua “criança” engatinhando em volta de seu “berço esplêndido”. Mais
lágrimas, não só de torcedores, marcam “a maior derrota”.
Fonte: Tribuna da Internet
Fonte: Tribuna da Internet