Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Eu tenho vergonha dos que acham que ingresso caro acaba com violência no estádio

Segunda, 14 de julho de 2014 
por NINJA
Por Paulo Motoryn, para Revista Vaidapé

As diversas brigas que aconteceram nas arquibancadas do Mineirão, além de outros episódios de violência entre torcidas estrangeiras durante a Copa do Mundo, desconstroem a tese de que a elitização dos estádios é solução para o problema. 
Foto: Mídia NINJA

Foto: Mídia NINJA
A transmissão televisiva da derrota que a imprensa nacional definiu como um “vexame histórico” não deu conta de mostrar uma vergonha maior ainda: “Mineirão tem tarde para esquecer com vaias e briga”, estampou um dos jornais de São Paulo.
Antes mesmo do apito final, tão rápido quanto a goleada alemã, diversas brigas pipocavam pela arquibancada. Brasileiros inconformados brigavam entre si, como o humorista Marcelo Adnet, agredido por um torcedor. Brigavam com os alemães, como o caso do germânico que perdeu a audição por tomar um soco ao comemorar um dos gols de sua Seleção.

A delegacia que funciona dentro do estádio registrou 15 ocorrências. Mas muitos brigões não fizeram o registro, apesar de saírem do estádio machucados, segundo a Polícia Militar de Minas Gerais.
As brigas nas arquibancadas no jogo que tirou a seleção brasileira da final aconteceram algumas vezes também durante a Copa do Mundo. Croatas, mexicanos, uruguaios, chilenos e torcedores de várias nacionalidades foram flagrados em situações de combate para “surpresa” da imprensa nacional.
O curioso é que a Copa impôs um preço muito maior ao que o brasileiro costuma pagar para entrar nos estádios e torcer pelos seus clubes nos campeonatos estaduais e nacionais. O fato desmonta o preconceituoso argumento de que o aumento do valor dos bilhetes e consequente elitização das arquibancadas é solução para acabar com o violento cenário do futebol no Brasil.
Surpreendentemente, figuras carimbadas da perseguição às torcidas organizadas nos programas esportivos estiveram muito longe de manifestar seus comentários raivosos olhando diretamente para a câmera. É praxe na imprensa esportiva, sem que haja uma discussão mais profunda, a criminalização imediata de torcedores brigões.
Dentre as figuras que mais batem na tecla da punição de torcedores, principalmente os organizados, está o jornalista Flávio Prado, da Rádio Jovem Pan e da TV Gazeta, aclamado por seu conhecimento de escalações de times de futebol da metade final do século passado e por um coleguismo tosco com algumas ex-grandes figuras do futebol nacional.
Sempre que ocorre um episódio de violência entre torcidas organizadas e a Polícia, ou entre torcidas rivais, Flávio Prado berra, salivando, quase babando o mantra que deve ter aprendido com seu ex-companheiro José Luiz Datena: “Vagabundos, bandidos, vândalos”. Ele não esconde sua oposição às torcidas organizadas. Mais que isso: é defensor confesso da extinção dos grupos.
Outro ferrenho opositor dos torcedores brasileiros, que personifica nas torcidas organizadas todo o seu ódio e ignorância política, destilando impropérios aos quatro ventos é o “craque Neto”. Fã confesso da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), facção da Polícia Militar que configura um dos maiores esquadrões de extermínio do Brasil, Neto acredita que com o aprofundamento de um Estado penal e militarizado, haverá uma solução para a violência nos estádios do país.
O ídolo do Corinthians talvez não perceba que incentiva uma realidade que castra o sonho de muitos jovens que nasceram pobres como ele, mas que também gostariam de vestir a camisa 10 alvinegra. Um manto que é sagrado para muitos, mas com certeza muito valioso para Neto e sua conta bancária.
Neto e Flávio Prado são apenas exemplos de uma imprensa esportiva que sempre fortalece uma campanha raivosa e punitiva contra as torcidas organizadas durante os 35 meses que antecedem as realizações de Copas do Mundo. Agora, com os vexatórios episódios de violência da elite brasileira e de estrangeiros em nossos estádios, todos se calam.
Com o fim da Copa do Mundo no Brasil, é necessário que pensemos, sim, em seu legado, por mais clichê que possa parecer. Se há algum legado fundamental para a luta contra o futebol moderno e elitizado e por uma manifestação cultural novamente legítima e popular, é o fim da perseguição às torcidas no país do futebol. Organizar-se é um direito. Defendê-lo é uma obrigação.