Sábado, 19 de julho de 2014
Fonte: Blog do Siro Darlan
Por Siro Darlan*
Adeus Mestre Ubaldo
A derrota de 7 a 1 para Alemanha, nem a lanterna que o
Flamengo está amargurando me deixaram tão triste quanto à perda do iluminado
escritor baiano João Ubaldo Ribeiro. O Leblon, meu bairro de coração e a sempre
alegre Itaparica amanheceram muito tristes com essa perda tão lamentável. Quem
iluminará minhas manhãs de domingo com suas crônicas inteligentes e irônicas?
Acabo de ler seu hilário último artigo “O correto uso do papel higiênico” onde
faz ironias com a mania de proibições do poder público brasileiro sempre
comparável com a imortal Sucupira, governada por Odorico Paraguaçu.
Em sua fina ironia o Mestre dá uma escorregada quando
critica a Lei Menino Bernardo, que ele chama de lei da palmada, mas reconhece
que sua descrição é exagerada. Certamente a menção é apenas para compor suas
bem lançadas criticas a mania de proibicionismo porque com relação à violência
contra criança sabia o escritor querido que é preciso combater essa covardia
que as estatísticas apontam de tanta violência perpetrada contra crianças no
seio das famílias que devem protegê-las. Evidentemente, como reconheceu Ubaldo,
a lei não prevê qualquer sanção aos pais violentos mas dentro de usa
característica pedagógica fazer com que troquem o chinelo no bumbum e os
beliscões pela palavra, terreno que o João dominava como ninguém.
“Vamos botar de lado os entretantos e partir para os
finalmente”. Nessa terra que ele deixou triste e chorosa está difícil continuar
manifestando o pensamento como ele fez durante toda sua vida. Hoje quase nada
se pode fazer porque tem sempre uma lei constrangendo o cidadão. Abre-se mão do
processo educativo em troca de um regime repressivo que, como conclui em seu
último artigo falta pouco para que sejam baixadas normas para os
relacionamentos sexuais. Bem normas pode não haver, mas comportamentos sociais
abomináveis são noticiados todo dia. Na Ipanema de tantas transgressões duas
jovens foram espancadas porque se beijaram publicamente. O beijo sinônimo de
afeto que também já sinalizou traição agora também é motivo de linchamentos.
Manifestações públicas, meu caro Ubaldo, você que viveu como
eu esse tormento de uma ditadura militar também está proibida. Naquele tempo,
se insistíamos éramos espancados e alguns torturados e muitos desapareceram.
Agora é mais sofisticado você é taxado de anarquista, vândalo e sua palavra é
cassada por mandados de prisão. Você deixa de ser um cidadão no exercício de seu
direito constitucional à livre manifestação do pensamento, e como não podem
prender o pensamento, que “parece um coisa atoa, mas como é que agente voa
quando começa a pensar”, prendem o “terrorista” que ousou divergir da ordem
pública e social.
Até mesmo da tribuna que você usava para lecionar aos seus
fiéis leitores se transformou em suporte para essas correntes que tentam
acorrentar o pensamento, mas você, sempre brilhante sabia driblar muito melhor
que nossos jogadores que amarelaram diante do manto sagrado vermelho e preto
que os alemães vestiram para amedrontar nossos sensíveis atletas, e escrevia o
que sua consciência de grande brasileiro ditava.
Esquecem alguns profissionais da mídia que assim como canta
o poeta Eduardo Gomes da Costa no caminho com Maiakóvski, depois de calarem os
manifestantes, calarão os profissionais da mídia, depois seremos nós os juízes,
se já estivermos sendo os primeiros da lista, logo os professores já calados há
muito tempo com seus parcos salários e péssimas condições de trabalho, “até que
um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer
nada”.
Siro Darlan é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador-Rio da Associação Juízes para a Democracia.
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Leia também:
Jandira Feghali: "Atitude de juiz demonstra desequilíbrio emocional"
Siro Darlan é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador-Rio da Associação Juízes para a Democracia.
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