Segunda,
14 de julho de 2014
Por
Alberto Dines
Nação-criança, crente no papai-do-céu, no poder de preces,
fitinhas ou mandingas. Quando a coisa começou a ficar preta, lá pelo terceiro
gol, o speaker Galvão Bueno começou a repetir seu novo bordão: “Calma,
gente, isso é esporte, isso é futebol.” Mas ao longo de sua vasta biografia o
Narrador-Mor deste Reino descreveu os jogos do nosso scratch ou escrete
como se fossem batalhas cruciais, pelejas pela salvação nacional.
A grande verdade – e isso comprova-se facilmente pela web –
é que os especialistas da crônica esportiva foram excessivamente complacentes
com a Comissão Técnica. Com Luiz Felipe Scolari especialmente. Engoliram sem
qualquer esperneio, reclamação ou revolta a convocação dos 23 jogadores. Não
perceberam a gritante ausência de um eventual substituto para Neymar e, o pior,
acreditaram piamente que, numa emergência, alguns atacantes poderiam vestir sua
camisa ou assumir sua função.
Nossa mídia com as estrelas que gosta de exibir e adora
envolver-se aprovou os amistosos da seleção, entusiasmou-se com as vitórias de
Pirro da primeira fase e, preocupada em não parecer derrotista ou antigoverno,
deixou de reclamar na única esfera onde pode e deve influir: o desempenho
esportivo.
No malfadado jogo com a Colômbia, a avaliação dos
especialistas sobre a armação do time e a atuação dos jogadores foi muito
favorável. Passou uma sensação enganosa. Novamente o maldito vamo que’vamo
contagiou o país. Somente um comentarista foi rigoroso, evidentemente abafado
pelo otimismo.
O medíocre desempenho de Neymar foi eclipsado pelo drama da
fratura lombar e a pusilanimidade do árbitro. O aspecto sensacionalista que
deveria ter ficado por conta dos repórteres que cobrem os eventos esportivos
absorveu toda a atenção dos filósofos da bola nos dias seguintes. Foram
deixados de lado os esquemas táticos e as arrumações para neutralizar a
ausência do craque. O leitor quer emoções, então vamos enchê-lo de emoções. É
evidente que o técnico não vai discutir táticas e escolha de titulares em
público, mas cabe à imprensa fornecer aos leitores, ouvintes, telespectadores o
material informativo com o qual formará juízos.
Outro passaporte
A nação-criança tem uma imprensa-criança que adora celebrar
e não pensa no dever de casa. Os jornalões reinventaram as enquetes populares e
enfeitaram suas páginas com retratinhos e palpitezinhos sem qualquer
relevância. Nas rádios, antes dos jogos, obedecendo ao dogma da informalidade,
os comentaristas divertiam-se fazendo apostas e bolões.
Fascinados com os gadgets e as novas tecnologias, os
craques da escrita e do gogó imaginaram que as estatísticas sobre o passado são
suficientes para prevenir surpresas futuras. A informática é incapaz de apontar
zebras ou evitar calamidades. Inclusive “maracanazos” como o do Mineirão.
Qual o pior – o vexame de 1950 ou o de 2014? O oba-oba na
véspera de 16 de julho de 1950 foi menos nocivo e deletério do que a
complacência deste início de julho de 2014?
Não é suficiente emocionar-se com o hino nacional cantado à
capela por cerca de 58 mil vozes. Mais eficaz seria lembrar-se na véspera do
jogo com a Alemanha que o seu hino foi composto por Joseph Haydn (1732-1809),
mestre de Mozart e Beethoven. Idade não é documento. Mas treinamento intensivo,
tanto físico como psicológico e moral, podem fazer a diferença. A Costa Rica é
a prova.
Não basta convocar uma psicóloga para limpar as lágrimas dos
bebês-chorões que no jogo da estreia já se mostravam desfibrados.
Incontestável, inquestionável, indiscutível: Deus abdicou de
ser brasileiro – não obstante as provas exteriores de religiosidade exibidas
nas arenas. É possível que prefira o passaporte alemão, holandês ou (por que
não?) argentino.
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Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br