Quarta, 16 de julho de 2014
Em manifesto, cientistas sociais contestam os crimes
que têm sido atribuído a movimentos horizontais e espontâneos
por Redação
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publicado
15/07/2014 04:50,
última modificação
15/07/2014 15:10
Piero Locatelli
Desde os protestos de junho do ano passado, a
polícia e o judiciário tem enquadrado manifestantes em crimes como
“associação criminosa” e “formação de quadrilha”. No último sábado 12,
por exemplo, 19 manifestantes foram presos preventivamente com base na acusação de crime de formação de quadrilha armada.
Para pesquisadores de movimentos sociais, porém, estes novos grupos não devem ser abordados desta forma. Os cientistas
sociais que estudam estes movimentos argumentam que estas
caracterizações não fazem sentido para estes movimentos, já que eles se
organizam de forma horizontal, espontânea e sem lideranças. Leia abaixo a íntegra do manifesto:
Cientistas sociais questionam caracterização legal da polícia e do judiciário
Nas últimas semanas, operações policiais tiveram como
alvo manifestantes que participaram de protestos de rua. Muitos deles
estão sendo acusados de formação de quadrilha e associação criminosa.
Como estudiosos dos novos movimentos sociais nas universidades e
instituições de pesquisa científica, acreditamos que os enquadramentos
jurídicos utilizados pela polícia e pelo judiciário estão em profundo
desacordo com o que a observação e a análise das ciências sociais tem
mostrado.
Movimentos são horizontais, não há chefes ou líderes
-- Uma das características mais marcantes dos novos movimentos sociais é
sua horizontalidade. A observação e análise de centenas de cientistas
sociais no Brasil e no exterior tem mostrado reiteradamente que esses
movimentos rejeitam estruturas verticais de comando. Isso significa que
não é possível localizar no seu processo de organização social uma
pessoa ou um grupo de pessoas cujas determinações sejam acatadas como
ordens pelos demais participantes. Assim, apontar alguns manifestantes
que participam desses movimentos como líderes ou chefes de quadrilha
está em desacordo com as dinâmicas sociais que temos observado e
registrado nos nossos estudos.
Adesão a protestos de rua é espontânea, não há quadrilha, nem associação
-- Nossa observação e análise tem mostrado também que os protestos de
rua dos novos movimentos não se caracterizam por planejamento prévio dos
participantes. Os participantes de manifestações se reúnem
espontaneamente atendendo a um chamado que normalmente se limita a
indicar o local do protesto e a causa pela qual se manifesta. As
centenas ou milhares de pessoas que se reúnem não constituem uma
organização, nem prévia, nem posterior aos protestos. O fato de as redes
sociais permitirem que pessoas que participaram ou pretendam participar
de protestos comuniquem-se e interajam não é suficiente para
caracterizá-las como uma organização já que essa interação é espontânea,
informal e não estruturada.
Assim, consideramos que a atribuição de supostos atos
ilícitos em manifestações a quadrilhas e associações criminosas
comandadas por chefes ou líderes não encontra qualquer respaldo nas
dezenas de investigações que temos conduzido com novos movimentos
sociais.
Assinam:
Prof. Dr. Pablo Ortellado, Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Rosana Pinheiro-Machado, Universidade de Oxford
Dr. Rudá Ricci, diretor-geral do Instituto Cultiva
Prof. Dr. David Graeber, London School of Economics
Prof. Dr. Paolo Favero, Universidade da Antuérpia
Prof. Dr. Gustavo Lins Ribeiro, Universidade de Brasilia
Prof. Dr. Giuseppe Cocco, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Luiz Eduardo Soares, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Fabio Malini, Universidade Federal do Espírito Santo
Prof. Dr. Rodrigo Guimarães Nunes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Robson Sávio Reis Souza, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Prof. Dr. José Mauricio Domingues, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Profa. Dra. Miriam Guindani, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Carlos Basília, Fiocruz
Pedro Teixeira, Fiocruz
Itamar Buratti, Instituto de Direitos Humanos
Franciele Alves da Silva, Universidade Estadual de Maringá