Sábado, 2 de agosto de 2014
Fonte: IHU
Instituto Humanitas Unisinos
Os trabalhadores das equipes de emergência, como Yusuf
Abu Musahem, se queixam de serem alvos de ataques. “Os israelenses não nos
vem como um serviço de ambulância, mas como o Hamas.
Estão violando o direito internacional”.
A reportagem é de Kim Sengupta, publicada por Página/12,
01-08-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte:
http://goo.gl/XVIUkq
Amr al Khadar
utilizava as poucas e surpreendentes horas de calmaria para tentar remover o
piche de suas botas. Havia sido formado um contorno perfeito no calçado quando
ele teve que correr para um depósito de materiais em chamas, após um ataque com
mísseis em Shajaiya. A tarefa se tornou especialmente difícil, pois tinha uma
das mãos enfaixada porque havia sido queimada quando removeu um pedaço de metal
quente quando ajudava um homem ferido.
Tinham sido horas de trabalho frenético após um ataque com
mísseis no mercado principal, que resultou em mais de 150 feridos e 15 mortos.
“Poderiam ter sido muito mais mortos se os dois tanques de combustíveis que
tinham nessa garagem tivessem explodido; por sorte apenas o menor explodiu”,
disse Khadar, de 34 anos. “Havia pessoas estiradas nas ruas. Dois de nós
tiveram que saltar por cima deles para chegar aos homens na garagem; se não o
fizéssemos, as pessoas dali teriam sido queimadas vivas. Foi terrível o que
aconteceu”.
As pessoas que saíram para as compras nos dias de Eid al Fitr estavam
surpresas. Havia certo grau de tranquilidade, pois o exército israelense havia
declarado um cessar-fogo humanitário de quatro horas, uma rara oportunidade
para se abastecer. Também existia a esperança implícita de que um raio, ainda
que feito pelo homem, não iria cair duas vezes no mesmo dia. Nas primeiras
horas da manhã, a escola primária das Meninas Jabaliya, que estava sendo
utilizada como asilo aos refugiados, tinha sido atacada.
Custou a vida de 19 pessoas e houve mais de 100 feridos.
Essa ação teve condenação internacional, com a ONU alegando
que Israel pode ter cometido crimes de guerra. O exército israelense insistiu
que suas tropas estavam respondendo aos ataques de morteiros próximos da
escola. E acrescentou que seria realizada uma investigação sobre o ocorrido.
As equipes de emergências, depois de terem atuado em
Jabaliya e nos bombardeios próximos de Khan Younis,
estava se reagrupando. A maioria dos feridos teve que ser transportada aos
hospitais por veículos particulares e táxis. “Utilizamos todas as ambulâncias
que tínhamos disponíveis, que não são muitas”, reconheceu Khadar.
“Sempre há problemas para conseguir combustíveis e os turnos eram curtos,
porque alguns dos homens, que viviam em diferentes cidades, tinham ido de casa
para Eid”. Khadar saiu correndo sem dizer a sua esposa e seus filhos
aonde ia, uma prática que é comum muitos nos serviços de emergência, adotada
para evitar-lhes mais preocupações: “Eu estava parado ao lado de uma ambulância
que foi atingida pelos soldados em Beit Hanoun e cometi o erro de ligar para
casa para dizer a eles que estava bem. Um grave erro, queriam que eu voltasse
imediatamente. Tratei de explicar-lhes que tínhamos um trabalho para fazer, mas
foi difícil”, disse.
A maioria deles está realizando o trabalho sem receber
pagamento algum, já que são empregados do governo do Hamas, em Gaza, que
está falido. Do outro lado, os empregados públicos contratados pelo Fatah recebem
seus salários, outro ponto de atrito interno entre as duas organizações
palestinas.
Sentados em seus escritórios no Hospital Europeu em Khan
Younis, um grupo de paramédicos refletia sobre outros problemas decorrentes
do fato de serem empregados do Hamas. “Os israelenses nos tratam como
inimigos, não nos veem como o serviço de emergências, mas como o Hamas.
Estão violando o direito internacional ao fazer isto, mas sabemos que podem
fazer isso e fugir. Chegamos a aceitar que disparem contra nós”, disse Yusuf
Abu Musahem. Às vezes há consequências fatais: um de seus colegas, Mohammed
al Abdala, foi assassinado em Beit Hanoun na semana passada.
O exército israelense afirmou que os combatentes estavam
utilizando as ambulâncias como transporte. Os paramédicos negaram tal afirmação
com um tom de cansaço. “Sempre dizem isso, mas eles checam as ambulâncias de
todos os modos e, se houvesse pessoas da resistência ali, as encontrariam”,
disse Abu Moussab. “Porém talvez pensem que todas as ambulâncias estão
levando a resistência, talvez seja por isso que disparam contra nós de forma
rotineira; negam-nos a entrada quando vamos recolher os feridos”.
Todavia, havia sido permitido aos paramédicos entrar em
parte da estrada nesse dia em Abbasan. Haviam retirado das casas destroçadas as
pessoas que estavam mortas, ou apenas com vida, depois de terem ficado
aprisionadas e feridas durante dias.
Os corpos foram levados ao necrotério do Hospital Europeu. A
maioria deles estava mutilada por estilhaços de balas e em decomposição após
terem permanecido ao sol. Os parentes que haviam vindo para recolher os corpos
não podiam identifica-los e muitos tiveram seu aspecto muito alterado. Zeinab
al Haddad agarrou-se a seu marido, com lágrimas rolando pelo rosto. “Ele
não pode ser meu irmão, é um rapaz muito lindo”, e seguia sacudindo a cabeça.
Observando ao seu redor, Hussein Mahmoud disse: “É
muito difícil para eles, obviamente. Contudo eles vêm isto uma vez, talvez
duas. Mas nós vemos isto todos os dias. Não podemos falar com nossas famílias
sobre isto, não há ninguém com que possamos realmente conversar. Estou certo de
que todos têm problemas psicológicos”.