Sábado, 2 de agosto de 2014
Flávia Villela - Enviada especial
Agência Brasil
"Substituíram a ditadura militar pela ditadura
midiática, a dominação pelo consenso", disse hoje o jornalista e escritor
Bernardo Kucinsky, sob aplausos da plateia que participou da segunda mesa da
Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) neste sábado (2).
A irmã e o cunhado de Kucinsky foram presos e mortos pela
ditadura e seus corpos continuam desaparecidos. Segundo ele, a Comissão
Nacional da Verdade não terá resultados concretos, pois os poderosos que
apoiaram o golpe de 64 continuam no poder.
"E as Forças Armadas não se reciclaram, não condenaram
as atrocidades cometidas no passado. A tentativa de desinformar e a guerra
psicológica continua em alguns setores militares, continua, ainda que
diminuto," declarou.
Filho de Rubens Paiva, que foi preso, torturado e morto
pelos militares em 1971, o escritor Marcelo Rubens Paiva chorou ao ler um texto
sobre o sofrimento da mãe e da família pela incerteza do paradeiro do deputado,
cujo corpo continua desaparecido. O pai morreu na noite em que a esposa foi
presa. Apenas em 1996, foi feito o registro de óbito de Ruben Paiva.
Marcelo foi aplaudido de pé ao lembrar da coragem e
determinação da mãe, Eunice Paiva, na luta contra a ditadura. "Mamãe era
uma dondoca. De repente, foi presa e saiu de lá muito magra e sozinha. E então
começou a peitar a ditadura", disse. "Passou a fazer parte de vários
movimentos, a ser uma voz quase solitária contra a ditadura".
Posteriormente, Eunice estudou direito e passou a se dedicar às causas
indígenas.
A mediadora da mesa e historiadora Lilia M. Schwarcz
argumentou que os relatos dos participantes falavam de uma memória de um tempo
que não passou e de uma história que ainda incomoda os brasileiros.
Revisitar os fatos e desnudar as verdades são fundamentais
nos dias de hoje para os debatedores. "A história é complexa e por
isso mesmo requer reflexão, uma boa pesquisa, leitura", disse o economista
Pérsio Arida, preso e torturado quando tinha 18 anos. "Se até pessoas que
participaram do período têm essa confusão, imagina os garotos que moram na
periferia de grandes cidades, que não têm acesso a essa história nas escolas",
disse Paiva.
"As novas gerações têm muitos poucos pontos de
contato com as outras gerações, não tem continuidade. Para eles a ditadura é
uma capítulo remoto da história do Brasil. O nível de desconhecimento é
impressionante", disse Kucinsky.