Do blog Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
"Diferentes
espécies de camaleão são capazes de variar a sua coloração e padrão por
meio de combinações de rosa, azul, vermelho, laranja, verde, preto,
marrom, azul claro, amarelo, turquesa e púrpura. A mudança de cor nos
camaleões tem funções na sinalização social e em reações a temperatura e
outras condições, bem como em camuflagem." (Wikipedia)
O poeta Ferreira Gullar analisou o fenômeno Lula num artigo que deverá provocar muita irritação nas hostes petistas. Recomendo que todos o leiam e reflitam sobre ele.
Boa parte (há alguns exageros dos quais discordo) poderia ter sido
escrita por mim. Contemporâneo da ascensão de Lula, sempre o vi como um
pragmático que utilizava bandeiras ideológicas como meio para atingir
seus fins, nunca as tendo verdadeiramente encarado como fins em si. Um
camaleão, portanto.
Não corroborarei as acusações que amiúde ouvi, de parceria com as
montadoras ou conluio com o Governo Geisel. Isso jamais foi provado.
Direi apenas que o sucesso dos sindicalistas do ABC foi facilitado por
convir às indústrias automobilísticas: o governo mantinha congelados os
preços dos veículos e as ditas cujas aproveitaram as greves para
implodir tal congelamento, exigindo que os aumentos salariais por elas
concedidos fossem repassados para os preços. Ou seja, serviam-se do novo sindicalismo para abrir brechas e se tornarem exceções à rigidez oficial. Usaram os limões para fazer limonada.
Uma questão a ser aprofundada pelos historiadores é o motivo da mudança de postura de Lula: como sindicalista, hostilizava a esquerda e tudo fazia para evitar que ela, invadindo a sua praia no ABC, contaminasse as lutas sindicais; ao decidir criar seu partido político, chamou-a para negociar, pois dela necessitava para dar amplitude nacional à nova agremiação.
Uma questão a ser aprofundada pelos historiadores é o motivo da mudança de postura de Lula: como sindicalista, hostilizava a esquerda e tudo fazia para evitar que ela, invadindo a sua praia no ABC, contaminasse as lutas sindicais; ao decidir criar seu partido político, chamou-a para negociar, pois dela necessitava para dar amplitude nacional à nova agremiação.
Quanto ao mago Colbery
do Couto e Silva, após definir as linhas mestras do projeto de
distensão política do Governo Geisel, ele tratou de levantar a bola dos adversários preferíveis no quadro futuro. Assim, p. ex., comunicou pessoalmente ao mandachuva da Folha de S. Paulo
que a censura seria em breve levantada, aconselhando-lhe que adotasse
uma postura mais crítica e independente no seu principal jornal, para
evitar que O Estado de S. Paulo surfasse sozinho nas ondas da abertura.
Ainda seguindo sua lógica de dividir para reinar,
Golbery via com bons olhos a ascensão de Lula como contraponto à
liderança bem mais radical de Leonel Brizola. Foi o que acabou
ocorrendo: o PT cresceu e o PDT encruou. As ambições e personalismo do
nosso lado deram vida fácil ao outro lado.
Para a esquerda, foi trágico: juntos, Brizola e Lula poderiam ter levado a redemocratização bem mais adiante, provavelmente até evitando a transição sob total controle da classe dominante em que se constituiu a eleição indireta de Tancredo Neves: uma saída pela ditadura pela porta dos fundos.
Para a esquerda, foi trágico: juntos, Brizola e Lula poderiam ter levado a redemocratização bem mais adiante, provavelmente até evitando a transição sob total controle da classe dominante em que se constituiu a eleição indireta de Tancredo Neves: uma saída pela ditadura pela porta dos fundos.
Enfim, tais circunstâncias ajudaram Lula a chegar aonde chegou mas, sem
provas consistentes, não podemos considerá-lo nada além de um homem
bafejado pelo destino.
O certo é que os Zés Dirceu e Genoíno acreditavam que conseguiriam
tutelar Lula indefinidamente, mas não contavam com o escândalo do
mensalão, que esgarçou a liderança de ambos. Embora já tivessem flexibilizado
em muito os ideais que professavam, os dois continuavam, basicamente,
marxistas; haviam desistido do combate sem tréguas à burguesia, mas,
pelo menos, tentavam trilhar um terceiro caminho entre a intransigência
revolucionária e a capitulação incondicional ao inimigo. Haviam se
tornado, digamos, bolivarianos light.
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Zé Dirceu perdeu ascendência |
Quando Lula ficou por sua própria conta, acabaram os últimos resquícios
de pudor e o PT não parou mais de prostrar-se à burguesia no que
realmente conta, a política econômica. Nunca dantes neste país os
grandes capitalistas, banqueiros à frente, obtiveram lucros tão
escandalosos. A retórica de esquerda passou a servir apenas como engana-trouxas no período eleitoral, sendo esquecida logo em seguida, ao se montarem as equipes ministeriais.
Eu ainda tinha um tiquinho de esperança em Dilma Rousseff, tanto que
combati José Serra com todas as minhas forças em 2010 (gato escaldado,
preferi não apoiar explicitamente alguém que para mim era uma incógnita,
daí haver optado por apenas bater pesado no tucano que, como governador
de São Paulo e também na campanha presidencial, havia guinado tanto à
direita que chegava a lembrar o corvo Carlos Lacerda).
A pusilanimidade de Dilma em episódios cruciais --como quando ignorou a
decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito dos
executados do Araguaia, criando uma Comissão da Verdade como contraponto
propagandístico e não a respaldando quando brucutus militares a
desafiaram ostensivamente, ou como quando fechou os ouvidos ao pedido de
asilo de Edward Snowden-- matou as minhas últimas ilusões.
Sabia muito bem o que viria num segundo mandato de Dilma, tanto que
cansei de escrever que ela faria o serviço sujo exigido pelo poder
econômico (promover o ajuste recessivo da economia) da mesmíssima forma e
com a mesmíssima insensibilidade de Marina Silva ou Aécio Neves. Será
que algum dos dois ousaria entregar a pasta da Fazenda a um Chicago boy tão convicto do seu papel de lambe botas da burguesia quanto Joaquim Levy?
Enfim, mudando um pouco a frase celebre de Marx no 18 brumário de Louis Bonaparte, o fenômeno Lula
começou como epopeia, foi evoluindo como farsa e pode até terminar como
tragédia, embora o mais provável seja o fim do ciclo lulista (e de sua
consequência piorada, Dilma) não com estrondo, mas com um suspiro.