Terça, 28 de abril de 2015
Do STF
Ricardo Pessoa, José Ricardo Breghirolli, Agenor Medeiros, Sérgio Cunha Mendes, Gerson Almada, Erton Medeiros Fonseca, João Ricardo Auler, José Aldemário Pinheiro Filho e Mateus Oliveira terão a prisão preventiva substituída por medidas cautelares.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu hoje habeas corpus (HC 127186) a nove réus acusados de envolvimento em um suposto esquema de desvio de recursos da Petrobras. Ricardo Pessoa, José Ricardo Nogueira Breghirolli, Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Sérgio Cunha Mendes, Gerson de Melo Almada, Erton Medeiros Fonseca, João Ricardo Auler, José Aldemário Pinheiro Filho e Mateus Coutinho de Sá Oliveira terão direito a responder a processos em liberdade e terão a prisão preventiva substituída por medidas cautelares.
Os réus citados no voto do ministro relator, Teori Zavascki, passarão
a ser monitorados por tornozeleira eletrônica, e devem se manter
afastados da direção e administração de empresas envolvidas nas
investigações.
Deverão ainda cumprir recolhimento domiciliar integral, comparecer em
juízo quinzenalmente para informar e justificar atividades, ficarão
obrigados a comparecer a todos os atos do processo, bem como estão
proibidos de manter contato com demais investigados e de deixar o país. O
descumprimento de qualquer dessas medidas acarretará o restabelecimento
da prisão.
Em seu voto, o ministro Teori Zavascki citou os requisitos da prisão
preventiva e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo a
qual o indício de existência de crime é argumento insuficiente para
justificar, sozinho, a adoção da prisão preventiva.
Para o ministro, a prisão preventiva só deve ser mantida se ficar
evidenciado que se trata do único modo de afastar esses riscos contra a
garantia da ordem pública e econômica, a conveniência da instrução
criminal e a segurança da aplicação da lei.
"Decretar ou não decretar a prisão preventiva não deve antecipar
juízo de culpa ou de inocência, nem, portanto, pode ser visto como
antecipação da reprimenda nem como gesto de impunidade."
Segundo o relator, no entanto, a prisão preventiva não pode ser
apenas justificada pela possibilidade de fuga dos envolvidos, sem
indicação de atos concretos e específicos atribuídos a eles que
demonstrem intenção de descumprir a lei.
O ministro citou que, no caso dos envolvidos no suposto esquema de
desvio de recursos na Petrobras, há indícios da existência de graves
crimes, como formação de cartel, corrupção ativa e lavagem dinheiro, e
ressaltou a importância que teve a prisão preventiva na interrupção da
prática desses crimes.
No entanto, para o ministro relator, os riscos para a ordem social e
para a apuração dos fatos foram reduzidos e a prisão pode ser
substituída de forma eficaz por medidas alternativas.
"Não se nega que a sociedade tem justificadas e sobradas razões para
se indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados
e de esperar uma adequada resposta do Estado, no sentido de identificar
e punir os responsáveis. Todavia, a sociedade saberá também compreender
que a credibilidade das instituições, especialmente do Poder
Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de
manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no
julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios
constitucionais da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e
ao devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da
vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo
legislador", sustentou o ministro.
Sobre a possibilidade de a concessão da liberdade interferir no
fechamento de um possível acordo de colaboração premiada com os
envolvidos, o ministro afirmou que seria "extrema arbitrariedade" manter
a prisão preventiva considerando essa possibilidade.
"Subterfúgio dessa natureza, além de atentatório aos mais
fundamentais direitos consagrados na Constituição, constituiria medida
medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada",
disse o ministro relator, que foi acompanhado na votação pelos ministros
Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
O ministro Gilmar Mendes considerou que as medidas alternativas à
prisão são suficientes para a garantia da ordem pública neste momento e
por acreditar que inibem a possibilidade de reiteração criminosa, tendo
em vista que Ricardo Pessoa renunciou à direção da UTC, que também está
impedida de fazer contratos com a Petrobras.
Citando o julgamento do mensalão, o ministro lamentou que o Brasil
esteja marcado pela “triste sina de disputar e ganhar campeonatos
mundiais de corrupção” e salientou a gravidade dos fatos desvendados
pela operação Lava-Jato, cujo desdobramento se dava enquanto o STF
julgava a Ação Penal (AP) 470.
“Se no mensalão analisamos pagamentos a parlamentares da base aliada
financiados por verbas de contratos de publicidade e empréstimos
bancários fajutos, aqui temos quadro potencialmente mais sombrio. A
investigação aponta que a Petrobras – a petroleira que mais investia no
mundo – estaria contratando suas obras de engenharia com um grupo de
empreiteiras, um suposto cartel, que controlava os preços e devolvia 3%
de tudo o que recebia aos corruptos”, afirmou.
Quanto aos demais fundamentos que embasaram a prisão de Pessoa, o
ministro afirmou que também não mais se justificam. “Tenho que a decisão
que decretou as prisões preventivas indica prova robusta da existência
de crimes graves e indícios suficientes de sua autoria. Estamos longe
também de falar em excesso de prazo nas prisões. Pelo contrário: para um
caso com esse número de réus e complexidade, o desenvolvimento da
instrução é mais que satisfatório. O paciente foi preso em 14/11/2014. O
encerramento da instrução, com o interrogatório dos últimos réus, está
marcado para o 11 próximo. No que se refere aos fundamentos do decreto, a
prisão já não se justifica pela conveniência da instrução criminal ou
para a assegurar a aplicação da lei penal. As testemunhas relevantes
foram inquiridas, o risco de fuga não é concreto”, afirmou.
Divergência
A ministra Cármen Lúcia divergiu do voto do relator e votou por negar
o pedido de habeas corpus feito pela defesa de Ricardo Ribeiro Pessoa.
No seu entendimento, o decreto da prisão preventiva se fundou nas
evidências de prática de crimes de alta gravidade contra a administração
pública e de lavagem de dinheiro. Ainda que a suspensão das práticas
delitivas com a prisão preventiva esgotem seu fim com o encerramento da
instrução criminal, esta ainda não foi totalmente encerrada.
Para a ministra, mesmo com interrogatório já marcado para a próxima
semana, seu resultado pode levar à realização de novas diligências, e
testemunhas podem ser novamente inqueridas. Se depois do último
interrogatório houver o encerramento da instrução criminal, pode haver a
modificação desse quadro. “Não existe instrução quase acabada.”
Outro ponto ressaltado pela ministra foi a continuidade dos contratos
da UTC com a Petrobras e com a administração pública, e a possível
participação do acusado na gestão da empresa, mesmo com seu afastamento
formal da direção. Ainda em casa é possível ao acusado seguir com a
comunicação virtual e a circulação de pessoas, possibilitando a
participação nos negócios da empresa. A suspensão de novos contratos com
a Petrobras não impede a continuidade de contratos em curso e obras em
andamento – os quais, segundo os dados do Ministério Público Federal,
superam R$ 7 bilhões – nem a realização de novos contratos com o poder
público. Assim, diz a ministra, seria difícil saber da eficácia das
medidas restritivas alternativas à prisão propostas no voto do relator.
“Não sei como essas medidas poderiam ser impostas com controle
absoluto”, afirmou, ao negar o HC.
Último a votar, o decano da Corte acompanhou a divergência aberta
pela ministra Cármen Lúcia. Para ele, ainda persistem os motivos que
ensejaram a edição do decreto prisional do empresário: a periculosidade
do réu e a probabilidade de continuidade dos graves delitos de
organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Para o
ministro, é inviável a conversão da prisão preventiva nas medidas
cautelares constantes do artigo 319 do CPP.
Segundo o ministro, as circunstâncias que justificaram a prisão
cautelar do empresário não se exauriram definitivamente, especialmente
pelo fato de que ainda há a possibilidade de nova inquirição das
testemunhas que já depuseram. De acordo com a denúncia, mesmo durante as
investigações, negociava-se, com envolvimento da UTC, pagamento de
propinas e cooptação de agentes públicos.
“Torna-se inviável a conversão da prisão preventiva em medidas
cautelares alternativas quando a privação cautelar da liberdade
individual tem fundamento, como sucede na espécie, na periculosidade do
réu em face da probabilidade real e efetiva de continuidade da prática
de delitos gravíssimos, como os de organização criminosa, de corrupção
ativa e de lavagem de valores e de capitais”, disse o ministro.
Defesa
Da tribuna, Alberto Zacharias Toron, advogado de defesa do empresário
Ricardo Ribeiro Pessoa, ex-dirigente da UTC Engenharia, alegou que há
reiteradas decisões do STF no sentido de que a prisão preventiva tem
caráter excepcionalíssimo. Segundo ele, não existiriam dados concretos
para justificar a decretação da prisão preventiva para assegurar a
instrução criminal, uma vez que essa fase já se encerrou. “O
interrogatório está marcado para 4 de maio, segunda-feira próxima, ou
seja, todas as testemunhas já foram ouvidas”, afirmou.
Argumentou ainda que a condição financeira de Pessoa não pode
justificar a custódia cautelar para assegurar a aplicação da lei penal e
que a liberdade do empresário não coloca em risco a sociedade, pois não
é mais dirigente da empresa.
Segundo o advogado, também não cabe o argumento de que poderia haver a
continuidade delitiva, “pois o tal cartel, pelo qual inclusive não
houve apresentação de denúncia, não existe mais”. Assim, ao pedir a
concessão de habeas corpus para Ricardo Pessoa, Toron afirmou que “se há
quase cinco meses pudessem estar presentes esses pressupostos da prisão
preventiva, hoje nenhum desses fundamentos está presente e merece
subsistir”.
Ministério Público
O representante do Ministério Público Federal, subprocurador Edson
Oliveira de Almeida, afirmou em sua manifestação que consta do parecer
da instituição que a decisão que decretou a prisão preventiva do
empresário aponta diversos motivos que demonstram ser a custódia
essencial para impedir o chamado “ciclo criminoso”. O parecer revela que
Ricardo Pessoa é apontado como o líder do núcleo das empreiteiras na
organização criminosa e que era o principal responsável pelas atividades
do cartel, notadamente sua organização, e o principal porta-voz das
empresas junto à Petrobras.
O representante do MP lembrou do impedimento que há em se analisar
fatos e provas em HC, e que não há ilegalidade flagrante a amparar o
pedido. “Preso durante toda fase de instrução, não há sentido agora, ao
término da instrução, buscar a expedição de alvará de soltura”, concluiu
o subprocurador ao se manifestar pelo indeferimento do habeas corpus.
Leia a íntegra do voto do ministro relator, Teori Zavascki: