Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Homem teimoso


Outubro
25

Homem teimoso

Pouco valia, na Colômbia, a vida de um homem. A de um camponês, quase nada. Nada valia a vida de um índio; e a vida de um índio rebelde, menos que nada.
E no entanto, inexplicavelmente, Quintin Lame morreu de velho, em 1967.
Havia nascido nesse dia de 1880, e tinha vivido seus muitos anos preso ou lutando.
Em Tolima, um dos cenários de seus passos errantes, foi encarcerado centro e oito vezes.
Nas fotos policiais aparecia sempre com os olhos roxos, pelos cumprimentos de entrada, e a cabeça rapada, para tirar suas forças.
Os donos das terras tremiam ao escutar seu nome, e estava na cara que também a morte tinha medo dele. Homem de falar manso e gestos delicados, Quintin percorria a Colômbia sublevando os povoados indígenas:
Nós não viemos, feito porco sem coleira, nos meter em plantações alheias. Esta terra é nossa terra —dizia Quentin, e seus discursos eram lições de história. Ele contava o passado daquele presente, o porquê e o quando de tanta desdita: a partir do antes, podia-se ir inventando um outro depois.

Eduardo Galeano, no livro 'Os filhos dos dias'.  L&PM Editores, 2ª edição, página 337.