Segunda, 30 de outubro de 2017
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.
O ódio está no ar. Hoje qualquer reação das minorias diante do poder
de coação e criminalização dos hipossuficientes são tidas como
absurdo. Foi o que aconteceu quando do anúncio do Congresso de
Criminologia, Direito e Processo Penal retratado na arte de Carlos Latuf
com o Estado Policial espancando um trabalhador. A reação foi de
condenação à interpretação artística dessa violência real e inegável
contra o povo pobre da periferia, os negros, gays e lésbicas. Quem matou
Patrícia Acioly com 21 tiros? Quem matou Amarildo? A primeira
representando o estado comprometido com o direito a exigir o respeito às
leis e o segundo representando a opressão que sofre o povo trabalhador.
Quem é a polícia que mais mata e, consequentemente, já que vivemos em
estado de guerra, como afirmou o Ministro da Defesa, também os que mais
morrem? A quem interessa negar e esconder essa violência tão palpável. A
quem interessa não discuti-la na busca de soluções? O tradicional
respeito às diferenças religiosas tem sido violado e as religiões afro,
cujos templos e objetos sagrados são constantemente vilipendiados por
pseudo representantes do fanatismo religioso. São Tomás de Aquino já
anotava no século XII que o homem deve ser irredutivelmente livre, a
ponto de negar a própria ideia de Deus. Essa licença nos coloca no lugar
de checar todos os dogmas em discussão para através do debate
democrático encontrar soluções para tão grave problema de convivência
entre humanos.
Não se pode negar que essa “Guerra” não foi decretada pelo povo da
periferia, nem pelos policiais, que em nome do Estado comete
atrocidades. A polícia deve ser a linha de frente e exemplo de respeito à
Constituição e às leis. Quando invade domicílios sem mandados
judiciais, quando comete violências que não se coadunem com suas funções
de guardar a ordem, quando é arbitrária e autoritária, equipara-se aos
marginais, porque à margem das leis. Que exemplo passa para aqueles que
estão em processo de desenvolvimento quando lançam frases irresponsáveis
contra os magistrados afirmando que a polícia prende e a justiça solta?
Sabem muito bem que compete ao judiciário a garantia do respeito às
leis e aos princípios e quando alguém prende mal e arranha a lei, cabe
ao juiz restaurar o direito e soltar quem está indevidamente preso, ou
prender quem se enquadra nos tipos penais e processuais compatíveis.
O chicote de Latuf posto na mão do Estado policial pode perfeitamente
estar nas mãos do magistrado que autoriza mandados coletivos contra
comunidades vítimas da criminalidade; pode estar na mão daquele que
declara simples aborrecimento o constrangimento causado pelos
representantes do capital; daquele que autoriza a invasão das terras
indígenas; daquele que favorece uma parte no litígio judicial; daquele
que persegue juízes em razão do conteúdo de suas decisões judiciais,
desrespeitando a independência dos magistrados; pode estar nas mãos dos
que relativizam os direitos dos trabalhadores para favorecer os
representantes do capital; pode estar com aqueles que se utilizam do
cargo público para favores particulares e atos de nepotismo. E de
inúmeros outros “carrascos” que ousam fazer da interpretação das leis um
instrumento de coação aos mais vulneráveis.
Fonte: Blog do Siro Darlan