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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 25 de março de 2019

O governo do DF e o CAIC do Gama, um caso seríssimo de desprezo, desrespeito e omissão com nossas crianças

Segunda, 25 de março de 2019

Desprezo, desrespeito, omissão. É como o governo do Distrito Federal trata as criancinhas que estudam (melhor, estudavam) no CAIC, o Centro de Atenção Integral à Criança do Gama

O CAIC Jornalista Carlos Castelo Branco se localiza na Entre Quadra 20/23 do Setor Oeste da cidade. Inaugurado em 1993, a unidade escolar oferecia ensino da melhor qualidade. Mas a partir de  pelo menos 2014, ficou evidenciado que o prédio apresentava problemas sérios de estrutura. Foi nesse ano de 2014 que o próprio governo do Distrito Federal, depois de alertas e denúncias, constatou que as instalações corriam risco de desabamento. Os técnicos que fizeram a avaliação chegaram  mesmo a recomendar a demolição do prédio e a construção de outra escola no local.

Nada foi feito nesse sentido até hoje, 25 de março de 2019. A escola continuou a se deteriorar, as rachaduras dos pisos cada vez maiores. Placas e vigas se deslocaram ainda mais.

Só em 2016, por provocação do Ministério Público do DF a Justiça determinou que no prazo de dois anos houvesse a demolição da escola e a construção de outro prédio no local.

O GDF fez alguma coisa? Nadinha.

As criancinhas do CAIC continuaram frequentando um prédio que representava riscos de desabamento, de choques, incêndios, mortes. Irresponsabilidade grande dos governantes.

Só em maio do ano passado, 2018, é que as crianças deixaram de correr tais riscos, pois a Defesa Civil determinou a INTERDIÇÃO DO PRÉDIO. Depois de alguns dias sem aula, coisa em torno de duas semanas, os alunos foram ‘espalhados’ por outras escolas do Gama. As criancinhas mais jovens, na sua maioria, foram estudar no Jardim de Infância 6, que fica junto ao CAIC, separado desse por apenas cerca de 34 metros.

Menor sorte tiveram os alunos da primeira à quinta série. Esses, coitados, foram deslocado lááááá para o final do Setor Sul, na Entre Quadra 13/15. Estudam desde maio de 2018 na Escola Classe 29. Alguns poucos pais fizeram das tripas coração e matricularam seus filhos em escolas mais perto de onde moram.

Na Escola Classe 29, os alunos do CAIC estudam em 16 salas improvisadas em galpões também improvisados. Sacrificados, também sacrificam o funcionamento da EC 29.

A viagem


Clique na imagem acima para melhor visualizar o trajeto que os garotos são forçados a fazerem diariamente do CAIC até a Escola Classe 29 do Gama, que fica num dos extremos do Setor Sul da cidade.

Para levar os garotos do CAIC até a EC 29 e trazê-los de volta ao final das aulas são usados três ônibus escolares. O trajeto entre um ponto ao outro é de mais de seis quilômetros. Cerca de seis quilômetros e mais uns 200 metros, percorridos nuns 15 minutos ou mais. Ida e volta, portanto, mais de 12 quilômetros diariamente. Isso cansa as crianças. E angustia os pais.

A distância  entre o CAIC e a EC 29 está fazendo com que  mães estejam com dificuldade de participarem mais ativamente da vida escolar dos seus filhos. E isso é ruim. Muito ruim.

Resumindo essa história de desprezo, desrespeito e omissão dos governantes com as crianças do CAIC do Gama:

— O governo, em 1993 fez, pelo que tudo indica, uma escola frágil, que não resistiu quase nada ao tempo. Quem ganhou o que com isso?

— Sem dar mais para abafar o perigo que as crianças corriam, houve o reconhecimento, pela área da Educação do governo, de que o prédio representava perigo e deveria ser demolido e no local construído um que prestasse;

— Como essa demolição e construção não ocorreram, precisou a Defesa Civil interditar o local apontado como de altos riscos de desabamento, choques elétricos e até incêndios que se ocorressem matariam muitas crianças;

— O Ministério Público do DF, no uso de suas atribuições e obrigações legais, moveu ação na Justiça para obrigar o governo do DF demolir o prédio e construir outra escola no local. A decisão acatando o requerido pelo MPDF é de 2016 e dava o prazo de dois anos para se demolir e construir uma nova escola. Esse prazo TERMINOU em 15 de abril do ano passado (2018), mas durante esse tempo todo nem um tijolo ou placa foi demolida. Nada construído. Só desprezo, desrespeito, omissão, humilhação às crianças. E descumprimento de decisão judicial;

— Durante esse tempo todo de interdição, móveis, equipamentos, inclusive de informática, e instalações se deterioram, pois acumulados, amontoados, em pátios e salas do prédio atual do CAIC. Desrespeito contra as crianças e também desrespeito contra o contribuinte-eleitor-sofredor.

— Não há até o momento sequer no governo do DF um projeto de construção das novas instalações do CAIC do Gama, num desrespeito flagrante e indecente às decisões da Justiça. O governo do DF não sabe quando terá o projeto, quando iniciará a demolição, quando dará início à construção, quanto custará a nova escola. Isso é, continua sem saber nada de nada.

— Uma situação estúpida desde a construção de um prédio com vida útil pequena; e mais ainda desde a comprovação da existência dos riscos de desabamento, choques, incêndios.

— No vídeo logo abaixo, a saga da viagens de ida e volta dos alunos, diariamente, do CAIC à Escola Classe 29. No outro vídeo, o segundo mais abaixo, o depoimento de um ex-aluno do CAIC. Aluno das primeiras turmas da escola. O depoimento sofrido, triste, dolorido, saudoso. E, do mesmo ex-aluno, um texto que foi publicado pelo Gama Livre exatamente há dez meses, isto é, em 25 de maio de 2018. Imperdível!

CAIC do Gama continua fechado. Embarque nessa aventura.
O Gama Livre acompanhou dois dos três ônibus escolares que transportam os alunos do CAIC até a Escola Classe 29 no Setor Sul do Gama. São mais de 6 quilômetros de ida e a mesma distância de volta, cinco dias na semana.



Veja no vídeo logo acima o depoimento de um ex-aluno do CAIC. Juan Ricthelly, aluno das primeiras turmas da escola. O depoimento sofrido, triste, dolorido, saudoso.

Veja a seguir texto publicado pelo Gama Livre no dia 25 de maio do ano passado (2018), desabafo e lamentação de um ex-aluno do CAIC Carlos Castelo Branco

‘Eu sou o CAIC [do Gama], e quando o demolirem, uma parte de mim estará sendo demolida com ele’



Sexta, 25 de maio de 2018
Por
Juan Ricthelly* 

Lembro que sou da primeira geração de crianças que estudou nessa escola, foi no CAIC que comecei a ter os meus primeiros lapsos de compreensão da realidade, onde comecei a conviver com outras crianças de histórias e realidades diferentes e semelhantes a minha, lembro com carinho do meu primeiro dia de aula e que fui o único que não chorou na minha turma quando a minha mãe me deixou lá pela primeira vez, estava ansioso para estudar, acho até que foi um dos dias mais felizes da minha vida.

Enquanto escrevo essa mensagem, meus olhos enchem d'água e sigo lembrando das professoras que tive, seus rostos e nomes...

Alguns anos depois fui aluno da Escola Classe 28 que também foi fechada e teve que ser demolida, e tivemos que estudar no CAIC, e mais memórias vão chegando...

Lembro da minha querida e já falecida professora Delite me repreendendo por algumas coisas erradas que fiz e em outro momento me elogiando pelos textos que produzia, das brigas na hora da saída, das primeiras paixões infantis...

Dos treinos de karatê no ginásio com o professor Abdias, de jogar pedra na cobertura de metal do ginásio só para ouvir o barulho legal que fazia, de me imaginar escalando e descendo como um escorregador gigante a mesma cobertura, da vez que choveu tanto granizo que nós brincamos de 'guerra de bola de gelo' em pleno Cerrado.

A questão é que uma escola jamais será somente uma escola, é lá que alguns de nós vivenciamos algumas das experiências e amizades mais marcantes que teremos em nossas vidas, a escola é parte de nós e nós somos parte dela também.

Nesse ponto já chorei antes de terminar de escrever essa mensagem e lamento com grande pesar e tristeza, o fim indigno que esse espaço que tanto fez por mim terá.

Assim como milhares de pessoas, eu sou o CAIC, e quando o demolirem, uma parte de mim estará sendo demolida com ele.

*Juan Ricthelly é advogado, nasceu e mora no Gama, ambientalista e ativista social.

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Saiba mais sobre a ruína e a demolição do CAIC do Gama em:

Risco de desabamento: CAIC do Gama interditado e estudantes sem aula