Por
O
governo que aí está é um permanente magistério do atraso e da intolerância.
Velho de três meses, segue cumprindo o papel de força avançada do novo regime,
cuja cabeça, cujo corpo e cujas pernas estão na herança do pior do pior legado
de 1964.
Da
ditadura e dos ditadores resguarda seus costumes degenerados, como o descaso
com os valores da democracia, que compreendem o diálogo e o convívio com a
diferença, o respeito aos direitos humanos e o pluralismo ideológico. Não
podendo retomar as prisões, as torturas e os assassinatos, embora
anunciadamente o desejasse, defende sua prática e canoniza as mais abjetas
expressões de seu ofício, cujas imagens certamente ocupam espaço privilegiado
no oratório da nova família imperial (mais uma vez tomo de empréstimo expressão
grafada por FHC). De outro lado, igualmente perverso, os novos dirigentes
surpreendem pelo desapreço às questões nacionais mais iminentes, como a
soberania nacional, questões as quais, reconheça-se, eram zeladas pelos
paredros dos militares de hoje, que também cuidaram do patrimônio nacional,
hoje descuidado.
Embora
ainda reclame o monopólio do amor à Pátria, a corporação militar que hegemoniza
a nova ordem faz vista grossa e ouvidos de mercador para a incontinente ação de
lesa-pátria do governo, ação essa que se consolida a cada dia na medida em que
o governo renuncia a qualquer sorte de soberania nacional, de desenvolvimento
autônomo e de independência. É, ao fim, o abandono do projeto de uma
civilização fundada na produção e distribuição de riqueza, negando ao mundo
exemplo de bom êxito do multiculturalismo, para o que temos todas as condições
objetivas, como povo e país, nação e Estado.
Esse
sonho, que até há pouco parecia próximo de nossos dias, foi descartado para, em
seu lugar, uma extrema-direita irresponsável (não obstante poderosíssima,
ninguém se iluda) entronizar a velharia de um anticomunismo de indústria,
braços dados com um criacionismo comercial e a tentativa de teocratização
medieval do moderno Estado laico. Tudo confeitado com abominável subserviência
aos poderosos do dia e aos seus interesses, tão bem posta a nu na visita do
capitão à Casa Branca. Ali, o simplório portou-se como pateta deslumbrado na
Disneylândia. Afinal, era o primeiro encontro com Trump-Mickey, o ídolo de sua
infância e de sua maturidade adiada.
Enquanto
a corporação militar dá as costas ao país real e mais se unifica num
antiesquerdismo e num anticomunismo anistórico, o mercado se enleva com as
promessas do grão-mestre da economia, falando em Washington para pretensos
investidores: “Temos um presidente que adora a América. Eu também adoro
Coca-Cola e Disneylândia. É uma grande oportunidade para investir no Brasil.
(…) Vocês podem ir lá ajudar a financiar nossas rodovias, ir atrás de
concessões de petróleo e gás. Daqui a três, quatro meses, vamos vender o
pré-sal. Todos vão estar lá: chineses, americanos, noruegueses.”
A
vergonha que faz ruborizar é saber que nosso Chicago-boy simplesmente repete
com palavras atualizadas o acesso de vira-latice do general Juracy Magalhães,
ao assumir, no governo do general Castello Branco (o primeiro do mandarinato
militar), a embaixada brasileira em Washington:
“O que é bom para os EUA, é bom para o Brasil”.
Quem
herda não rouba.
É
este o convite à rapina de um butim que compreende as últimas empresas estatais
decisivas para nosso desenvolvimento, como a Eletrobrás (prestes a ser
privatizada na bacia das almas, como foi a Vale do Rio Doce) e a Petrobras
(cujos ativos são jogados ao mar com suas refinarias, terminais, dutos e a
lucrativa rede de postos de abastecimento), e a desestruturação do BNDES, de
que dependem a economia nacional como um todo e as
pequenas e médias empresas de forma especial, doutra forma entregues à fome
insaciável do sistema bancário privado que aufere os maiores lucros em todo o
mundo, enquanto o PIB brasileiro não cresce, a economia rumina em recessão, o
desemprego grassa inclemente e o governo fustiga nossos principais parceiros
econômicos.
Com
nada disso o chamado Mercado se preocupa, pois ele não se preocupa com o país;
sua alma é internacional como o capitalismo é apátrida, passeando pelas bolsas
de Nova York, Londres e São Paulo, mais ou menos nessa ordem.
O
ultra-liberalismo apresenta-se como o abre-te Sésamo do Olimpo dos
investidores, nossa passagem para o céu da economia internacional; a reforma da
Previdência é o cavalo de batalha do “mercado”, que, diz, sem ela, isto é, sem
diminuir a proteção dos desempregados e da população mais velha, será “o fim”,
o caos, o inferno sem purgatório. Essa proposta de um neoliberalismo exacerbado
que se resume em um privatismo selvagem, é o ponto de união da extrema direita
brasileira no poder – a saber, aquele ajuntamento de parecidos que compreende,
desde a famiglia e suas adjacências à média da corporação militar – e o Mercado
todo poderoso, com suas ramificações e suas dependências ao capital internacional.
A extrema-direita, nesses três meses, já disse a que veio, e o que virá não
será surpresa para quem quer que seja.
Trata-se
de uma direita tosca e brucutu, descomprometida com qualquer valor humanista. E
em nosso caso, além de antissocial e antipovo, é antinacional,
anti-independência e antiprogresso. Como todas, porém, é maniqueísta, violenta
e amante do ódio, deformações de caráter que diária e permanentemente destila
por todos os meios, como as redes sociais e os púlpitos e palcos eletrônicos de
uma evangelização fundamentalista e reacionária.
Essa
direita fez-se conhecer, na teoria e na prática.
A
oposição liberal já se faz valer, e a aplaudimos. Está na frente da defesa da
ordem constitucional seguidamente agredida pelos novos catões da República,
que, a partir de suas casamatas – seja em Curitiba, seja em São Paulo, seja em
Brasília ou no Rio de Janeiro – desrespeitam o direito e agridem as garantias
individuais em nome do combate à corrupção, cuja necessária repressão, que tem
o apoio de todos (quem é contra?), não justifica o emprego da ilegalidade e do
abuso de poder, porque o crime não é instrumento de combate ao crime.
E
quando identificaremos o discurso diferenciado da esquerda?
Ainda
estamos à espera de uma oposição firmemente ideológica, isto é, pela esquerda,
e, ainda mais precisamente, de caráter socialista, em condições de opor à atual
realidade o ideal de justiça social, e, assim, didaticamente, oferecer ao país
elementos de avaliação dos dois projetos, para o que precisa pôr nas ruas sua
visão de país e, dela consequente, seu programa de governo alternativo ao que
aí está, sem perder de vista, evidentemente, a necessidade – que resulta de seu
presente papel histórico – de contribuir para a unidade das forças democráticas
e progressistas.
Em
resumo: quando os socialistas retomarão a defesa de seus fundamentos,
abandonados por enganos táticos desde 2002?
A
dignidade saiu de férias O astrólogo da Virgínia qualifica de idiota o general
vice-presidente; no dia seguinte, o capitão presidente homenageia o boquirroto
e deselegante guru da família, e tudo fica como dantes no quartel de Abranches.
O capitão, em Brasília, em meio a café da manhã com jornalistas, anuncia a
remoção, dentre outros, do embaixador brasileiro nos EUA, acusado de
incompetência, por não haver sabido construir como boa a justamente péssima
imagem do presidente prestes a viajar; o embaixador, além de não deixar o
posto, de imediato, cede sua residência oficial para que um outro diplomata,
esse conhecido como o embaixador dos Bolsonaro nos EUA, organize um convescote
oferecido ao capitão e aos expoentes da direita americana. No encontro oficial
com Trump, o capitão leva a tiracolo o filho deputado e deixa de fora seu
ministro das Relações Exteriores, suposto condutor da nossa diplomacia.
E a
pergunta que não pode calar: afinal, quem mandou matar Marielle?
Roberto
Amaral
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Roberto
Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia