Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 21 de março de 2019

Tenente-coronel assassinado em 1964 no RS é reconhecido pela Justiça como vítima da ditadura

Quinta, 21 de março de 2019
Decisão atende pedido do MPF, que acredita que Alfeu Alcântara, morto três dias depois da instauração da ditadura militar, foi a primeira pessoa assassinada no estado pelo regime
Arte onde se lê a expressão Crimes da Ditadura com a imagem da bandeira do Brasil em detalhe.
Arte: Secom/MPF

Do MPF
O Ministério Público Federal em Canoas (RS) obteve sentença judicial favorável em ação civil pública ajuizada em 2014 contra a União, conseguindo que o tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro – morto três dias após a instauração da ditadura militar que derrubou o presidente João Goulart em 1964 – fosse reconhecido como uma vítima da ditadura. A ação é consequência de uma denúncia encaminhada ao Ministério Público Federal pela ONG Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

A sentença divulgada pela 2ª Vara Federal de Canoas determina que a União declare que motivações político-ideológicas decorrentes do regime militar recém-instaurado levaram à morte do Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, atingido por disparos efetuados pelo Tenente Coronel Roberto Hipólito da Costa, sob o comando do Major Brigadeiro Nélson Freire Lavanere-Wanderley, ocorrido no Quartel General da 5ª Zona Aérea de Canoas (atualmente 5º COMAR), no dia 04/04/1964, por volta das 21 horas. 

Cabe, portanto, à União, proceder a exclusão e a retificação dos dados constantes dos registros militares e da Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) relativos ao Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro que envolvam atos de perseguição política e de condenação na Justiça Militar ocorridos no período de 1946 a 1988, sobretudo os decorrentes das ações executadas em 4 de abril do ano de 1964 na 5ª Zona Aérea de Canoas, com exclusão dos registros de legítima defesa de quem efetuou os disparos. A sentença também determina que se retifique a causa da morte constante da certidão de óbito de Alfeu de Alcântara Monteiro.

O caso – O então tenente-coronel Alfeu (ele foi promovido a coronel depois da morte) foi morto no Quartel General da 5ª Zona Aérea em Canoas, no dia 04/04/1964, um sábado, por volta das 21 horas. Segundo o jornal Folha da Tarde, edição do dia 6 de abril (2 dias após o ocorrido), “a lamentável ocorrência acontecida no Quartel General deu-se devido à indisciplina do tenente-coronel, que não acatou a voz de prisão que lhe foi dada pelo seu novo Comandante”. A versão veiculada na mídia foi confirmada depois no Inquérito Policial Militar (IPM) realizado naquele ano, que terminou por absolver o tenente-coronel Roberto Hipólito da Costa (já falecido), acusado de matar Alfeu.

O MPF apontou, na ação civil pública, uma série de inconsistências colhidas dentro do IPM que tratou da morte do tenente-coronel Alfeu. Contextualizou seu pedido salientando o fato de que Alfeu não era um simpatizante do movimento militar que assumiu o poder em 1964 e apresentou testemunhos que contradizem a versão oficial apresentada no IPM.

A respeito da decisão na ação civil pública, que já se encontra em fase de cumprimento, o procurador da República em Canoas, Cláudio Terre do Amaral, pontuou que “a sociedade, por meio dessa ação civil pública proposta pelo MPF, conseguiu resgatar o direito à memória e à verdade sobre o que, de fato, ocorreu na época da ditadura militar no que toca ao homicídio do tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro”.

CNV – “No caso em apreço, não há controvérsia sobre as circunstâncias da morte do Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, registradas no relatório final elaborado pela CNV”, registra o juiz federal Fábio Hassen Ismael na sentença. 

Citando o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em dezembro de 2014, a sentença judicial registra que “Alfeu foi morto pelas costas por uma rajada de metralhadora, tendo sido encontrados 16 projéteis em seu corpo”, em contraposição à versão divulgada pelos órgãos de repressão – de que ele foi morto com um único tiro, resultante de legítima defesa do major-brigadeiro Nelson Lavanère Wanderley, após Alfeu tê-lo ferido com dois tiros.

A ação civil pública pode ser acompanhada na Justiça Federal do RS por meio do número 5014367-08.2014.404.7112
.