Quinta, 1º de setembro de 2022
“[...] a revolução não é um ato sobrenatural, é um processo dialético de desenvolvimento histórico”
Gramsci, “O desenvolvimento da revolução” (1919)
Roberto Amaral*Gramsci, “O desenvolvimento da revolução” (1919)
O artigo “A eleição que o mundo espera”, do historiador Lincoln Penna, publicado na página do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos-IBEP (https://www.ibepbrasil.org),
O preço cobrado pela omissão é sempre muito caro, e tem implicado, com força de lei incoercível, o fortalecimento da direita, e portanto a contenção revolucionária. No Brasil de hoje estamos correndo o risco do declínio sem havermos conhecido o apogeu.
Não carecemos de exegetas para compreender o significado da emergência do bolsonarismo que hoje tanto nos assusta como ameaça, seja ideológica, seja eleitoral. Trata-se do primeiro movimento de extrema-direita de bases populares em todo o curso da vida republicana, e, também, a primeira vez que a corrente ultrarreacionária
Não se trata, porém, de um “ponto fora da curva”, ou mero descuido dos deuses do Olimpo.
A opção oportunista pelo eleitoralismo, navegando nossas hostes nas vagas dadivosas do lulismo, levaram os socialistas a renunciar a qualquer sorte de proselitismo ideológico-
Há mesmo, entre nós, os que, muito impressionados com os bons êxitos econômicos da China, chegam a defender, como via tática da revolução (transferida para as calendas gregas), o desenvolvimento do capitalismo como remédio em si para o nosso atraso. Diz-se que essa é a única opção possível diante do atraso político brasileiro: não se pode fazer política contra a realidade, senão lidando com os fatos objetivos. Mas, saltando do desvio idealista-voluntarista, que é atuar sem considerar a realidade, esse caminho nos leva à contramão antirrevolucionária, em que assumimos o papel de conservadores do statu quo capitalista que, como socialistas, propusemos derruir. A possível e futura hegemonia dos trabalhadoras seria, assim, cedida de pronto à burguesia.
Por conveniência, é posto de lado o Marx das Lições sobre Feuerbach, para quem o conhecimento da realidade não se justifica como ato contemplativo, senão como o primeiro passo para a intervenção revolucionária.
Lênin advertira a propósito da necessidade do encontro das condições objetivas (a exploração capitalista) com as condições subjetivas (a consciência proletária), embora ressaltando que nem toda situação revolucionária leva à revolução. Nem muito menos é inteligente esperar que o capitalismo colapse como consequência inexorável de suas próprias contradições. Esse fatalismo, anticientífico, versão metafísica do determinismo histórico, não encontra amparo na realidade, simplesmente porque o processo social não conhece autogênese e a revolução não é fruto do acaso, “um raio em céu azul”, como advertia o Marx de O 18 Brumário de Luís Bonaparte, filósofo e revolucionário.
Na política, como na natureza, não há efeito sem causa.
O conceito de revolução pouco diz respeito à via de conquista do poder, mas às transformações econômicas e sociais levadas a cabo. A tomada do poder pelos sovietes liderados por Lenin mais se associa a um golpe de Estado, embora tenha resultado no primeiro projeto de implantação do socialismo e a mais importante revolução social do século passado. De outra parte, o processo de construção do comunismo na China se deu na culminância de uma longa revolução camponesa, que, sempre sob o comando do Partido Comunista, transitaria para a revolução capitalista de nossos dias, cujo pontapé inicial foi dado em 1977 por Deng Xiaoping, regressando de seu segundo exílio para ocupar o trono onde antes se sentara, reinando, Mao Zedong. Não foi a tomada do poder pelos guerrilheiros, em janeiro de 1959, de origem um movimento democrático-libertário, que deu a Cuba o título de revolução socialista, mas a opção adotada em 1961.
Nem os revolucionários reivindicam, para o justo merecimento do conceito, a necessidade da convulsão social, ou do conflito armado. Tampouco rejeitam o reformismo democrático experimentado em diversas contingências. Esta via, porém, é sistematicamente vedada pela direita. O exemplo mais notório, dentre tantos que podem ser arrolados, talvez seja o da guerra fascista contra o governo republicano espanhol (1936-1939). Não é diverso o testemunho de nossa república. Um golpe de Estado deitou por terra, em 1964, o projeto nitidamente reformista e democrático de João Goulart (porque reforma – menos evidentemente aquela quem aprofunda a ditadura do capital sobre o trabalho -- é, para a direita civil-militar brasileira, sinônimo de comunismo), e outro golpe de Estado interrompeu, em 2016, o processo de emergência das massas iniciado pelo primeiro governo Lula sem qualquer pretensão de alterar a correlação de forças que assegura, desde a colônia, o domínio da casa-grande sobre a nação e o país.
A direita demoliu com a violência conhecida, em 1973, a experiência reformista de socialismo na Argentina, na Bolívia, no Equador, no Panamá, em Honduras e em qualquer país latino-americano ou caribenho que tenha aspirado a um governo popular. E, em regra, os projetos democrático-reformistas foram sucedidos por longas ditaduras, as vagas de institucionalidade democrática acompanhadas da tutela militar. Esta é a saga de centenas de golpes de estado da direita em todo o mundo, levados a cabo pelas burguesias locais, condicionadas pelos interesses estratégicos do colonialismo (seja inglês, seja belga, seja francês...) e do imperialismo, este de mãos e pés livres desde o fim da Guerra Fria.
As vias do processo revolucionário não são decididas pela sua vanguarda, mas pelas condições objetivas do processo social, e dentre elas releva considerar o papel conservador/contra-
Não é desprezível, porém, que, diante da possibilidade de retomada de um processo democrático levemente reformista, a direita brasileira venha, com tanta insistência e ênfase, acenando com a ruptura da ordem constitucional. É preciso deter-lhe o ímpeto.
***
A direita que joga nas quatro linhas – Paralelamente ao projeto golpista radical do bolsonarismo, a direita bem comportada, que não zurra, cuida de intervir no processo eleitoral, tentando domesticar a candidatura mais à esquerda, impondo-lhe toda sorte de condicionantes – a pauta de campanha, a escolha do vice e do comando da economia... – e oferecendo-lhe mimos para adiante cobrar a fatura. Como vimos, o arauto do altar global abriu a entrevista de Lula no JN concedendo ao candidato: “O senhor não deve nada à Justiça”. A esquerda liberal festejou, aliviada, ao ouvir a voz do patronato nativo, sem entender que ele simplesmente dizia: “Resolvemos, por ora, não insistir em patrocinar o processo de lawfare que o tirou do pleito de 2018 e o levou à prisão. Aguardamos mostras de gratidão.”
Morre o genuflexo – O anúncio da morte física de Mikhail Gorbachev, após décadas de ostracismo, traz à lembrança uma observação de Marx: “a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco [Luís Bonaparte] desempenhar um papel de herói”.
* Com a colaboração de Pedro Amaral
Os textos de Roberto amaral podem ser encontrados em www.ramaral.org. |