Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 17 de setembro de 2017

Movimentos da sociedade civil reivindicam rotulagem de alimentos adequada já

Domingo, 17 de setembro de 2017
Da Abrasco
Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Senhores Diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),

Considerando que é um direito básico do consumidor “à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC)1;

Considerando que as regras vigentes sobre informação nutricional nos rótulos de alimentos no Brasil não garantem o direito à informação sobre a composição e a qualidade nutricional dos alimentos devido a vários problemas de visualização e compreensão do conteúdo e de mensagens contraditórias na parte frontal da embalagem2;

Considerando a experiência bem sucedida do Chile em adotar um modelo de rotulagem nutricional frontal de advertências com a utilização de texto com linguagem direta e simples, a alusão gráfica do octógono, que remete a uma placa de “Pare”, e o uso da cor preta 3;
Considerando a importância do alinhamento da rotulagem nutricional com o Guia Alimentar para a População Brasileira, que tem como princípio que as escolhas alimentares devem levar em conta a extensão e o propósito do processamento industrial dos alimentos 4;

Considerando as recomendações de organismos internacionais de saúde, incluindo a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a OPAS (Organização Pan-americana da Saúde), de que a adoção de regras de rotulagem de alimentos adequadas contribuem para melhores escolhas alimentares e consequentemente para a prevenção da obesidade, hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas 5,6 ;

Considerando as evidências internacionais de que a informação nutricional complementar disposta na parte da frente da embalagem, com mensagens e símbolos simples e de fácil visualização, é benéfica para o entendimento dos consumidores e influência na mudança da intenção de compra de alimentos 7,8;

As organizações e pessoas físicas que assinam esta petição manifestam sua posição favorável à adoção da proposta de rotulagem nutricional apresentado pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) para a Anvisa.

A proposta contém três eixos principais:

1. Modelo de rotulagem nutricional frontal

O modelo de rotulagem nutricional frontal proposto tem como referência o modelo de advertência, baseado em um selo na embalagem que alia uma forma geométrica, preenchida por uma cor, e acompanhada de um aviso nutricional.

Com base nas dificuldades de leitura e compreensão das informações nutricionais, na falta de alinhamento com o Guia Alimentar, a partir dos requisitos da literatura e de análises gráficas, e alinhada aos conceitos de advertência, regulação e sinalização de excesso, foi proposta a representação gráfica para o modelo de rótulo nutricional frontal:
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Triângulo: Considerado como uma forma simples, não apresenta perda na percepção da forma quando reduzido, é familiar à população brasileira e é uma convenção de advertência no país. Cor preta: De acordo com o uso cromático em advertências para indicação de alto risco e de observação de obediência. Borda espessa branca com vértices arredondados: Para dar contraste em relação aos demais elementos da embalagem, possibilitando maior atenção ao mesmo. Texto: Visando à fácil compreensão, o texto para a advertência de cada nutriente é apresentado no rótulo em caixa alta na fonte tipográfica Arial. “MUITO”: O termo “MUITO” é empregado para identificar o nutriente em excesso: muito sódio, muito açúcar, muitas gorduras totais, muitas gorduras saturadas. Contém: Os rótulos frontais das embalagens podem apresentar avisos: Contém adoçantes e contém gordura trans. Fonte credenciadora: Todos os rótulos de advertência devem apresentar a fonte da informação nutricional como “Ministério da Saúde” abaixo do texto de advertência. Isto visa conferir maior credibilidade à mensagem de advertência, aumentando assim sua aceitação pelos consumidores, conforme comprovado em estudos sobre iniciativas similares.

Os critérios para classificar quais alimentos devem receber as advertências foram adaptados do Modelo de Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS):

• Alimentos in natura ou minimamente processados não devem receber advertência;
• Ingredientes culinários (açúcar, sal, óleos, gorduras) recebem uma advertência de “Uso com moderação”;
Produtos processados e ultraprocessados recebem advertência se possuírem teores elevados de nutrientes críticos e/ou possuírem qualquer quantidade de nutrientes não recomendados, de acordo com os seguintes critérios:

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Para melhor compreensão da informação nutricional e evitar possíveis mensagens enganosas para o consumidor, os produtos que levarem selo de advertência não poderão utilizar nenhuma informação nutricional complementar que consta na RDC 54/2012 ou qualquer outro tipo de comunicação mercadológica na parte frontal da embalagem que remeta a atributos saudáveis do alimento. Também não poderão utilizar no painel frontal ou principal da embalagem nenhum tipo de comunicação mercadológica com imagem ou elemento gráfico direcionado ao público infantil.

2) Inclusão de frases de advertência para os ingredientes culinários

Os ingredientes culinários são importantes na dieta da população. Todavia, devem ser consumidos adequadamente para assegurar uma alimentação saudável, como recomenda o Guia Alimentar para a População Brasileira. Neste sentido, são propostas frases de advertência para atenção dos consumidores, a serem veiculadas em rótulos de óleos vegetais (e.g., soja, milho, girassol, oliva), gorduras (e.g., manteiga) sal e açúcar:

Exemplo: “ATENÇÃO: Use com moderação ao preparar refeições”; ou “ATENÇÃO: Use com moderação ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias”; ou “ATENÇÃO: Use com moderação, como recomenda o Guia Alimentar para a População Brasileira”.

3) Padronização da representação gráfica da lista de ingredientes e tabela nutricional para todos alimentos embalados

A proposta visa padronizar a exibição dos elementos da rotulagem nutricional já existentes, em especial a lista de ingredientes e a tabela nutricional. Entre as definições previstas estão tamanho mínimo de letra e tipografia específica, fundo branco que garanta contraste suficiente para a leitura e espaçamento adequado entre os itens.

Além disso, a proposta prevê também:

• a apresentação da lista de ingredientes junto da tabela nutricional, levando em conta sua importância para a informação do consumidor;
• a apresentação das informações contidas na tabela nutricional por 100g ou por embalagem completa, sem indicação de porção ou medida caseira, o que facilita a comparação com outros produtos por promover a padronização entre todos os produtos;
• a inclusão da quantidade de açúcares livres dentre os nutrientes obrigatórios da tabela nutricional;
• a exclusão da porcentagem de valor diários baseados em uma dieta de 2.000 calorias. 

Assinam este posicionamento:

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
ACT Promoção da Saúde
Aliança Pela Alimentação Adequada e Saudável
ANDI – Comunicação e Direitos
Arte Despertar
Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale)
Associação Brasileira de Nutricionistas (Asbran)
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms)
Associação Brasileira para a Promoção da Alimentação Saudável e Sustentável (ABPASS)
Associação de Diabetes Juvenil (ADJ)
Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro)
Conselho Federal de Nutricionistas (CFN)
Fundação do Câncer
Grupo de Ensino, Extensão e Pesquisa em Alimentação e Saúde do Escolar da Universidade Federal Fluminense (GEPASE/UFF)
Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional Prof. Pedro Kitoko (GESAN)
Laboratório de Dietética Experimental da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Laboratório de Epidemiologia Nutricional da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Laboratório de Segurança Alimentar e Nutricional e Políticas Públicas do Instituto Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Movimento pela Saúde dos Povos (MSP) – Brasil
Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições da Universidade Federal de Santa Catarina (NUPPRE/UFSC)
Núcleo Interdisciplinar de Prevenção de Doenças Crônicas na Infância da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (OPSAN/UnB)
Programa Academia da Cidade Recife/PE – Polo Experimental da Universidade de Pernambuco (UPE)
Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc)
Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN Brasil)
Rede NUTRItodos
Sociedade Brasileira de Design da Informação (SBDI)
Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH)
TJCC – Todos Juntos Contra o Câncer

Notas: 1 – Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF; 1990.

2 – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O rótulo pode ser melhor. Revista do Idec. 2016;208:16-20.

1 –  Ministerio de Salud (MINSAL). Gobierno de Chile. Feedback. Informe de investigación cualitativo: Evaluación de etiquetados nutricionales. Santiago; 2009b

1 – Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ª edição. Brasília, DF; 2014b.

1 – Organização Pan-americana da Saúde (OPAS). Plano de ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes.2014.

1 – Organização Mundial da Saúde (OMS). Global status report on noncommunicable diseases 2014. Genebra: OMS; 2014.

1 – van Herpen E, Trijp HC. Front-of-pack nutrition labels. Their effect on attention and choices when consumers have varying goals and time constraints. Appetite. 2011; 57(1):148-60.

1 – Visschers VH, Hess R, Siegrist M. Health motivation and product design determine consumers’ visual attention to nutrition information on food products. Public Health Nutr. 2010 Jul;13(7):1099-106.

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Leia também: 
Movimentos da sociedade civil reivindicam rotulagem adequada já

Um questionamento que já produz resultados na Austrália, no Equador e Chile ganha força em nosso país, e a Abrasco, junto com demais entidades que compõem a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, convoca a sociedade brasileira a se mobilizar. Os atuais rótulos de alimentos orientam adequadamente o consumidor a fazer escolhas saudáveis?

Em 22 de agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizou uma reunião com diversas entidades para dar prosseguimento ao debate sobre a rotulagem de alimentos, dentro da agenda regulatória da Agência. Desde 2014 há um grupo de trabalho para propor soluções para a informação nutricional no Brasil, e que agora ganha maior reverberação. Em construção coletiva capitaneada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi construída uma proposta de rotulagem nutricional inspirada nos avanços já alcançados em demais países.



O modelo tem como inspiração principal o novo sistema de rotulagem aprovado pelo governo chileno neste ano, com a rotulagem nutricional frontal trazendo as advertências com a utilização de texto com linguagem direta e simples. Em matéria publicada no jornal O Globo em 10 de setembro, dirigentes da Aliança destacam as vantagens da proposta. “O objetivo principal da rotulagem frontal é permitir ao consumidor fazer escolhas alimentares mais saudáveis e identificar com facilidade os alimentos que deve evitar” ressalta Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.

Já Paula Johns, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde, reforça as estratégias da indústria em mascarar as informações. “Muitos rótulos trazem, na parte frontal, uma série de alegações enganosas, inclusive de que os produtos fazem bem à saúde. Por isso, advertências frontais e de fácil identificação são fundamentais para contermos a transição de padrão alimentar que estamos vivenciando no Brasil e em outros países do Hemisfério Sul”.

A preocupação com a qualidade da informação está na cabeça do brasileiro. Pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pela ACT Promoção da Saúde e Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável aponta que 71% da população brasileira é contra a propaganda de alimentos que possam causar obesidade, tais como refrigerantes, bebidas açucaradas, salgadinhos e macarrão instantâneo. Diante da informação de que alguns países colocam selos nas embalagens desses produtos para advertir sobre quantidade de sal, açúcar, gordura e calorias, 88% concordam que a prática deveria ser adotada no Brasil. O levantamento foi feito em 120 municípios com 2.070 pessoas, em agosto deste ano.


Ofensiva contrária começa no Senado: Um sistema que realmente mexe nos interesses das corporações, em especial da indústria multinacional de alimentos, não deixaria de receber críticas, nem de produzir articulações em torno de propostas limitadas. A Associação Brasileira da Indústria Alimentícia (ABIA) e Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) movimentam-se na defesa do sistema inglês, que utiliza o sistema de cores do semáforo.

Não por acaso, já há um Projeto de Lei do Senado (PLS) – 489/2008, aprovado em 30 de agosto pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), que determina justamente a adoção de modelo similar ao inglês. Apresentado pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF), a proposta segue para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa, como anunciado também pelo jornal O Globo em 30 de agosto.

À reportagem, Ana Paula Bortoletto fez críticas ao PLS, tanto pela tentativa de o Senado querer se sobrepor à Anvisa na ação regulatória, como pela inconsistência da proposta. “O fato de ter diferentes cores para diferentes nutrientes pode levar o consumidor ao engano quando, por exemplo, o produto receber dois símbolos verdes e dois amarelos, ou três verdes e um vermelho. Neste caso, o consumidor se confunde sobre qual produto é melhor. A princípio, o semáforo parece trazer uma informação facilitada, mas, na verdade, não. Além disso, há um problema nos critérios que serão estabelecidos, pois nem sempre esses critérios vão poder, de fato, identificar quais alimentos são mais saudáveis para o consumidor”.


Francine Lima, jornalista, mestre em Alimentação e produtora do canal “Do campo à mesa”, resumiu em seu último vídeo a importância da movimentação de todos para fazer valer a melhor proposta em defesa da saúde e dos interesses da população. “Para entrar em vigor, a sociedade brasileira precisa se unir, bater palminhas para ela [a proposta da Aliança] e dizer para a Anvisa que é esse o modelo que a gente quer”. Veja abaixo o vídeo na íntegra e venha você também para a mobilização.