The Intercept Brasil
Em junho, o prefeito de São Paulo colocou Luiz Fernando Furlan no comando
da Conselho Deliberativo da SP Negócios, empresa de economia mista
vinculada à prefeitura de São Paulo. Furlan é um dos donos da Sadia e
foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do
primeiro governo Lula. Até aí tudo bem, o problema é que ele também é
chairman do Lide e Presidente do Lide Internacional, grupo empresarial
de propriedade da família do prefeito. A SP Negócios é presidida por
Juan Quirós, que já foi presidente do Lide Campinas e o homem forte
do comitê financeiro da campanha do prefeito. Antes de ser nomeado por
Doria, Quirós teve seus bens bloqueados pela Justiça após ser acusado de
usar uma rede de offshores para ocultar ser dono de uma firma que
faliu.
A principal missão do Lide é fazer a ponte entre empresas e órgãos públicos. A principal missão da SP Negócios é criar
Parcerias Público-Privadas (PPPs). Como não abandonou seu cargo na
empresa de Doria para comandar a SP Negócios, Furlan hoje está no
comando dos dois lados do balcão. Se esses fatos não representam um flagrante conflito de interesses, o que mais poderia representar?
Parece que quem se incomodou com a
promiscuidade entre o público e o privado na SP Negócios tinha razão. A
prática não se limita apenas às doações premiadas. Uma reportagem
da jornalista Thais Bilenk na “Folha” mostra como o Lide e empresas
filiadas estão se beneficiando com a presença do gestor na prefeitura.
Em 2016 e 2017, quando o não-político entrou para a política, a empresa
da sua família conseguiu reverter um quadro de crise em 2015, quando
perdia associados.
Hoje parece que todos querem se
associar ao Lide. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, se associou no
mesmo mês em que firmou uma parceria com a prefeitura no lançamento da
marqueteira Nota do Milhão.
Desde que a Caixa entrou para o Lide, o presidente do banco estatal,
Gilberto Occhi, se reuniu com o prefeito oito vezes. Talvez seja
coincidência, mas a aproximação política entre Doria e Temer parece estar rendendo bons frutos para o Lide.
Multinacionais como Burger King,
Starbucks e Uber também não perderam a oportunidade e correram para se
filiar ao Lide. A Uber, por exemplo, se filiou logo no mês seguinte à
eleição de Doria. De lá para cá, a relação da empresa com a prefeitura
vai maravilhosamente bem. O prefeito afrouxou as regras
de um esquema de taxação implantado no fim da gestão Haddad sobre as
empresas de aplicativos que conectam motoristas particulares a
passageiros. À época da Greve Geral, a prefeitura e a empresa americana –
que é alvo de diversas ações por violar direitos trabalhistas no Brasil e no mundo – chegaram a firmar uma parceria para transportar os servidores municipais para o trabalho de graça. O plano acabou fracassando, mas o bom relacionamento continua. Não é raro ver Doria elogiando a empresa em entrevistas.
Outro
que está radiante com o prefeito é o empresário Wilson Quintella, dono
da Estre Ambiental, especializada em coleta e tratamento de lixo. Em
março, uma parceria com a prefeitura fez a empresa lançar o aplicativo
Limpa-Rápido, que fornece informações sobre o serviço de limpeza da
cidade. E, em mais uma dessas coincidências estranhas que rondam a
gestão Doria, a Estre Ambiental se filiou ao Lide três meses após o
lançamento do aplicativo.
Quintella, conhecido como “bilionário do lixo”, é figurinha carimbada nas páginas que tratam de corrupção. Já teve como seu sócio na Estre o ex-banqueiro André Esteves, preso pela Lava Jato em 2015 (já está solto), e foi acusado pelo ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, de pagar R$1,4 milhão
em propinas com objetivo de prestar serviços para a Transpetro. Para
quem se apresenta como um forasteiro escandalizado com a corrupção dos
políticos, a parceria com Quintella é bastante sugestiva.
E as coincidências não param. Todas as
empresas que se associam ao Lide parecem mesmo ter o tapete vermelho
estendido na prefeitura:
Em determinados casos, filiações ao Lide foram precedidas e seguidas de audiências de seus dirigentes com o prefeito. É o que ocorreu com a Votorantim e a Brookfield, que aderiram à empresa em julho. A Votorantim teve duas reuniões em junho e uma em agosto assinaladas na agenda do prefeito. A assessoria de Doria diz que ele não participou da última. A Brookfield teve uma audiência em março e outra em setembro.
Não pensem que qualquer empresa pode
ser membro da empresa de lobby da Família Doria. Há critérios para ter a
filiação aprovada. Não pode ser pequeno empresário, tem que ser top.
Quem pretende integrar este seleto grupo deve ter “faturamento igual ou superior a R$ 200 milhões ou ser líder de mercado em seu segmento de atuação”.
A prefeitura nega que haja correlação
entre as filiações ao Lide e participação em reuniões com o prefeito. É
tudo um grande mal entendido, uma grande coincidência.
O prefeito, que costuma gravar vídeos atacando jornalistas
que o criticam, dessa vez não se pronunciou em suas redes sociais. Ele
está mais preocupado com as eleições 2018 do que com probleminhas
municipais.
No mesmo dia da reportagem da Folha, o prefeito se reuniu com artistas
em um evento pró-Doria promovido pelo dono das lojas Centauro. Diante
de Cláudia Raia, Latino, Marcio Garcia e Vitor Fasano, o
prefeito-celebridade afirmou que é um “new kid on the block” na política
e anunciou em tom triufante: “Não será agora que desistirei do Brasil”.
Isso a gente já sabe, prefeito. Você não desistiu do Brasil nem do Lide. Só desistiu da prefeitura de São Paulo mesmo.