Por
Aldemario Araujo Castro*

Nos termos do Decreto n. 8.948, de 29
de dezembro de 2016, o salário mínimo para 2017 foi fixado em 937 reais mensais
(https://goo.gl/GRQ8FU).
Esse é o menor valor que um empregador pode pagar para um empregado por
definição constitucional (artigo sétimo, inciso IV).
Por força de decisão monocrática do
Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, (praticamente) todos os
magistrados brasileiros recebem mensalmente um auxílio-moradia no valor de
R$4.377,73. Por ser considerada verba de caráter indenizatório, não incide sobre
o ganho desconto de imposto de renda. Essa mesma vantagem também é auferida
pelos membros do Ministério Público. O pagamento desses valores é visto
amplamente pela sociedade brasileira como um privilégio inaceitável que
consome, somente no âmbito da União, cerca de 437 milhões de reais por ano (https://goo.gl/Gkveok).
Recentemente, foram apreendidos, pela
Polícia Federal, cerca de 51 milhões de reais em imóvel vinculado ao
ex-ministro Geddel Vieira Lima. As imagens de malas e caixas abarrotadas de
cédulas de reais e dólares foram exaustivamente divulgadas na imprensa, nas
redes sociais e circularam o mundo (https://goo.gl/rryqcU).
No bojo de uma reforma
político-eleitoral açodada, suspeita e ilegítima, buscou-se a instituição de um
fundo de financiamento de campanhas com a disponibilidade de aproximadamente
3,6 bilhões de reais (0,5% da receita corrente líquida da União) (https://goo.gl/oUKG74).
Esse novo aporte de recursos funcionaria paralelamente ao antigo fundo partidário
que distribuiu 738 milhões de reais em 2016 (https://goo.gl/TGw5gP).
“O presidente Michel Temer sancionou nesta
quarta-feira (13) a mudança na meta fiscal de 2017 e 2018, que poderá chegar a
um déficit de até R$ 159 bilhões, informou o Palácio do Planalto./O Congresso
Nacional concluiu no início de setembro a votação que alterou as previsões de
déficit. Para 2017, a meta anterior previa um rombo nas contas públicas de até
R$ 139 bilhões, enquanto para 2018 o déficit poderia alcançar a cifra de R$ 129
bilhões” (https://goo.gl/fT7B5n).
Como visto, o cotidiano do brasileiro,
pautado pela grande imprensa e pelo governo, convive com referências monetárias
(preços, valores ou montantes) de alguns reais a bilhões de reais. Esse último patamar
numérico já é algo de difícil mensuração ou dimensionamento. A título de
ilustração, um bilhão de reais corresponde a aproximadamente: a) um milhão de
salários-mínimos ou b) 28 mil carros populares novos. Ocorre que os elementos
mais relevantes no mundo econômico-financeiro, abrangidas as vertentes fiscais,
monetárias e cambiais, estão postos na casa dos trilhões de reais.
O PIB (Produto Interno Bruto), soma das
riquezas produzidas no país, atingiu o patamar de 5,9 trilhões de reais no ano
de 2015. Por exprimir o tamanho da atividade econômica, é disparado o mais
importante dado utilizado para comparações macroeconômicas e coloca o Brasil
entre as dez maiores economias do mundo. A condição de um dos países mais ricos
do planeta convive com a triste marca de sermos uma das mais desiguais
sociedades no plano internacional. Emblemática demonstração desse perverso
quadro socioeconômico está representada na quantia depositada por brasileiros
em paraísos fiscais. A cifra atinge algo em torno de 1,6 trilhão de reais.
“Ricos brasileiros são os quartos no mundo em remessas a paraísos fiscais” (https://goo.gl/LTjXUr).
Em recente entrevista à Folha de São
Paulo, o economista Marc Morgan Milá afirmou: a) “o grupo dos 1% mais ricos tem
cerca de 1,4 milhão de pessoas, com renda anual a partir de R$ 287 mil. O 0,1%
mais rico reúne 140 mil pessoas com renda mínima de R$ 1,4 milhão. Enquanto isso,
a renda média anual de toda a população é de R$ 35 mil. É uma discrepância
muito grande. Esse é o ponto importante no caso brasileiro: a concentração do
capital é muito alta” e b) “o Brasil é um animal diferente. É o país mais
desigual do mundo, com exceção do Oriente Médio e, talvez, da África do Sul. Um
ponto importante é que todos os governos brasileiros das últimas décadas têm
responsabilidade por isso” (https://goo.gl/SQz5uj).
A principal fonte de receita dos entes
estatais (União,Estados, Distrito Federal e Municípios), representada pelos
tributos, alcançou em 2015 a impressionante cifra de 1,9 trilhão de reais. Esse
montante implicou numa carga tributária macroeconômica da ordem de 32,66% do
PIB e sustenta um enganoso discurso da inviabilidade de aumento da pressão
tributária. Nesse campo, é preciso atentar para o fato de que a tributação no
Brasil está concentrada majoritariamente no consumo e no trabalho. A
propriedade, o capital e as operações financeiras são proporcionalmente menos
oneradas e gozam de absurdos privilégios tributários. Ademais, precisam ser
levados na devida conta os seguintes elementos: a) sonegação tributária em
níveis alarmantes; b) renúncias fiscais
de várias ordens; c) intensas ações de planejamento tributário e d) estoque
considerável da dívida ativa. A reunião dos três rimeiros itens seguramente
ultrapassa o patamar do trilhão de reais a cada ano. O último item, a dívida
ativa, representava, somente no plano federal, um valor na casa de 1,84 trilhão
de reais ao final de 2016. Registre-se uma histórica resistência em dotar os
órgãos responsáveis pela recuperação desses valores de condições satisfatórias
para atuar.
Na referida entrevista, o economista
Marc Morgan Milá afirmou ainda: “A história recente indica que houve uma
escolha política pela desigualdade e dois fatores ilustram isso: a ausência de
uma reforma agrária e um sistema que tributa mais os pobres. Para nós, estrangeiros,
impressiona que alíquotas de impostos sobre herança sejam de 2% a 4%. Em outros
países chega a 30%. A tributação de fortunas fica em torno de 5%. Enquanto
isso, os mais pobres pagam ao menos 30% de sua renda via impostos indiretos
sobre luz e alimentação” e b) “As transferências chegam aos mais pobres, mas o
sistema tributário injusto faz com que o ganho líquido se torne menor. Como
esses programas representam cerca de 1,5% da renda nacional, o nível de
redistribuição que se pode obter com eles é limitado. Fora que as
transferências são financiadas por impostos que incidem sobre o consumo. E como
o consumo pesa mais no orçamento dos mais pobres, é possível dizer que os mais pobres
estão pagando por parte das transferência que recebem” (https://goo.gl/SQz5uj).
As observações do economista Milá
seguem o mesmo rumo daquelas realizadas por Katia Maia, diretora-executiva da
Oxfam Brasil. Essa entidade lançou o estudo “A Distância Que Nos Une, Um
Retrato das Desigualdades Brasileiras”. “De acordo com Katia Maia, diretora-executiva
da entidade, o objetivo é divulgar um relatório anual sobre a desigualdade e
mostrar os diferentes problemas do tema, como, por exemplo, o da tributação
brasileira. ‘Nós pagamos muitos impostos. Mas não é que a nossa tributação é
excessiva, na verdade ela é injusta. A gente está abaixo da média dos países da
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) [em termos de
carga tributária]. Mas é uma tributação onde quem paga o pato é a classe média
e as pessoas mais pobres’, disse” (https://goo.gl/st6CHp).
O chamado “sistema da dívida pública”
cumpre um papel central nas finanças públicas brasileiras. Segundo dados do
Banco Central, o montante da dívida pública (bruta) atingiu, em dezembro de 2016,
o patamar de 4,3 trilhões de reais. Apesar dos sucessivos esforços fiscais
voltados para a obtenção de superávits primários direcionados ao pagamento
desse passivo, o endividamento público cresceu e cresce continuamente. A razão
básica para esse triste fenômeno reside na profunda relação entre as políticas
fiscais, monetárias, cambiais e creditícias, convenientemente “escondidos” do
debate social mais amplo. Anote-se que as reservas internacional no patamar de
1,2 trilhão de reais responde por parte substancial do endividamento do Estado.
Na mesma linha, as operações compromissadas, no valor de 1,02 trilhão de reais
em dezembro de 2016, respondem por outra parte considerável da dívida
pública. Ademais, o pagamento dos juros sobre essa dívida chegou a meio
trilhão de reais em 2016. Em grande medida, o tamanho crescente do
endividamento e do seu serviço decorre de uma taxa de juros altíssima sem
nenhuma razão plausível e somente explicável na medida em que se considere o
“sistema da dívida” um enorme e perverso mecanismo de transferência de renda da
grande maioria da população para um reduzido grupo de privilegiados.
Apesar de invisíveis no dia a dia e no
debate público pautado pela grande imprensa e pelo governo, as trilionárias
realidades econômico-financeiras destacadas, na forma como funcionam, para além
dos escândalos de corrupção, da previdência social e da folha de pagamento do
serviço público, são alguns dos mais importantes pilares de sustentação de uma
das sociedades mais desiguais, atrasadas e discriminatórias do planeta.
*Aldemario Araujo Castro é Advogado, Mestre
em Direito, Procurador da Fazenda Nacional e Professor da Universidade Católica
de Brasília