Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A situação tá cínica

Quinta, 18 de agosto de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Pronto. Ou não. Só mais um. E por enquanto.

O ministro da Agricultura, Wagner Rossi, do PMDB e indicado pelo vice-presidente da República, Michel Temer, em nome de seu partido e especialmente da bancada peemedebista na Câmara dos Deputados pediu demissão ontem.

Na fila ainda está o ministro do Turismo, Pedro Novais, também indicado pelo PMDB, e especialmente pelo presidente do Senado, José Sarney, um pouco em nome da bancada peemedebista nesta Casa do Congresso, muito em nome dele mesmo e seu grupo. Pedro Novais foi ontem ao Congresso, atendendo a convite para explicar as denúncias de irregularidades em seu ministério, mas sabe-se que a presidente Dilma deu orientação para ele ir. E ele admitiu que “alguma coisa pode ter havido”.

O ministro da Agricultura apresentou ontem carta de demissão, acusando a revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo de fazerem denúncias de corrupção infundadas que o levaram a deixar o governo para não permanecer exposto a essa artilharia.

Esperto, inteligente, observador, Wagner Rossi – depois de cuidar de deixar bem claro que não estava saindo por desejo do governo, pois elogiou fortemente a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula – escreveu no penúltimo parágrafo de sua carta que “só um político brasileiro tem condições de pautar ao mesmo tempo a Veja e a Folha de S. Paulo”.

Assim, o ministro, ou ex, praticamente acusou alguém muito importante na oposição e, como ele não disse o nome da pessoa a que se referia, convém ser prudente. Mas como ele deixou claro que estava atirando em um alvo bem definido, certamente é porque pretendia ser entendido.

Observando-se o quadro das oposições no país, nota-se que os três políticos mais influentes são do PSDB, o principal partido oposicionista – o senador Aécio Neves, o ex-governador paulista José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Fazendo um raciocínio algo superficial, pode-se excluir da equação Aécio Neves, tendo em conta que os dois veículos de comunicação “acusados” por Wagner Rossi estão sediados em São Paulo. Restariam FHC e José Serra.

Que o leitor faça sua escolha enquanto Rossi não deixar vazar o nome do vilão de sua pouco verossímel história de bruxo.

Quanto a mim, prefiro ressaltar a sucessão de crises políticas no governo Dilma Rousseff, enquanto a crise econômico-financeira internacional vai lentamente sitiando o país, cujo governo não preparou e não tem um projeto de nação a longo prazo e nem um plano consistente para enfrentar essa crise que vem de fora, tendo preferido montar um projeto de poder.

Note-se que houve a crise na Casa Civil, forçando a saída de Antônio Palocci; a mudança no Ministério de Relações Institucionais; a crise no Ministério dos Transportes, que afastou Alfredo Nascimento do cargo e o PR do governo; a queda do ministro da Defesa e a nomeação de um novo ministro, Celso Amorim, muito mal visto por grande parte do estamento militar, por seu histórico no Ministério das Relações Exteriores; a complicada investigação no Ministério do Turismo e agora essa crise no Ministério da Agricultura, culminando com uma apressada e, vamos combinar, estranha saída do ministro.

Como no samba de Adoniran Barbosa, há dias muito oportunamente lembrado pelo jornalista Vitor Hugo Soares, “a situação aqui tá muito cínica”. O que complica é que a determinação do sargento Oliveira – “os mais pió vai pras crínica” – é difícil de cumprir, pois o SUS está um horror. Ou continua um horror. Foi o que bem mostrou ontem o programa “Que venha o Povo”, da TV Aratu, com uma filmagem clandestina (feita por um acompanhante de doente) no interior do Hospital Roberto Santos. Ali também “a situação tá muito cínica” e a cada dia “mais pió”.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.