Quinta, 18 de agosto de 2011
Da Pública Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Os
documentos vazados pelo Wikileaks revelam, entre outras coisas, como o
serviço diplomático americano vê a atuação do “esquerdista mais afeito
às delicadezas diplomáticas”, Celso Amorim, à época, ministro das
Relações Exteriores e atual ministro da Defesa.
Por Marina Amaral e Natalia Viana
Aos olhos do serviço diplomático americano, em especial durante a era
George W. Bush (2011-2009), a posição mais independente do Ministério
das Relações Exteriores (MRE) capitaneado por Celso Amorim parecia uma
constante provocação.
Nos telegramas vazados pelo parceiro da Pública, o Wikileaks, o MRE é
visto “com inclinações antiamericanas” que impedem a melhoria das
relações com o governo brasileiro e que tem, além de um “acadêmico
esquerdista” (Marco Aurélio Garcia) que aconselha o presidente Lula, um
ministro “nacionalista” (Celso Amorim) e um secretário-geral
“antiamericano virulento” (Samuel Pinheiro Guimarães).
“Manter a relação político-militar com o Brasil requer atenção
permanente e, talvez, mais esforço do que qualquer outra relação
bilateral no hemisfério”, desabafava em novembro de 2004, o embaixador
do partido republicano John Danilovich, um dos dois diplomatas que
receberam a embaixada em Brasília como “recompensa” por levantar
centenas de milhares de dólares para a campanha presidencial de Bush.
Foi ele que, numa reunião em março de 2005, tentou catequizar Celso
Amorim sobre a ameaça “cada vez maior” que a Venezuela representava a
toda a América do Sul. A resposta foi “clara” e “seca” na descrição do
americano. “Nós não vemos Chávez como uma ameaça”, respondeu Amorim.
“Não queremos fazer nada que prejudique nossa relação com ele”, afirmou.
O embaixador finaliza o documento em tom desapontado: o Itamaraty não
“comprou” a ideia americana.
Sobel, o sucessor
Sai Danilovich entra Clifford Sobel, também republicano e ligado aos
Bush. Sobel, talvez numa sagacidade maior, se aproximou do então
ministro da Defesa, Nelson Jobim, que virou interlocutor contumaz do
embaixador, a ponto de confidenciar sua irritação com o MRE –
compartilhada pelos EUA – em especial com o embaixador Samuel Pinheiro
Guimarães.
Jobim tornou-se peça vital em uma estratégia diplomática americana
que explorava a divisão dentro do governo em benefício próprio. Em
fevereiro de 2009, com Barack Obama presidente dos Estados Unidos, Sobel
enviou uma série de três telegramas com o significativo título de
“Compreendendo o Ministério de Relações Exteriores do Brasil”.
Neles, pensava uma estratégia para contornar o triunvirato
“esquerdista” que já incomodava os planos do seu antecessor. “Juntos com
o presidente Lula, eles (Amorim, Guimarães e Garcia) têm puxado o MRE
para direções inabituais e, às vezes, diferentes entre si”, pontua
Sobel.
“Enquanto tentamos aprofundar nossas relações, a dinâmica ideológica
faz com que o Itamaraty seja, às vezes, um parceiro frustrante”,
assinala o embaixador, esperançoso com a aposentadoria próxima de
Pinheiro Guimarães e com a possibilidade de influenciar os diplomatas
mais jovens que ocupariam os futuros postos de comando.
O telegrama ainda trata da proximidade entre Amorim, “um esquerdista
mais afeito às delicadezas diplomáticas”, e Guimarães “adepto de
posições radicais como a de que o Brasil precisa de armas nucleares para
se impor no cenário internacional”.
A indicação de Amorim para o cargo teria sido obra de Pinheiro
Guimarães, ao contrário do que sugeriam suas posições hierárquicas. “Um
diplomata aposentado contou a nossos conselheiros políticos que a
influência e independência de Guimarães deve-se ao fato de ter sido o
primeiro escolhido pelo PT para o MRE.
Como ele achava que seu nome não seria aprovado pelo Congresso,
indicou Amorim para o cargo e escolheu para si o posto de
secretário-geral. Além de ligações familiares, a filha de Guimarães é
casada com o filho de Amorim. Essa história explica sua autoridade
desmedida e substancial autonomia”, fofocou o embaixador.