Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Campanha e ruído de fundo

Quarta, 24 de outubro de 2012
Por Ivan de Carvalho
O comando político e de marketing do governismo baiano e da campanha do petista Pelegrino a prefeito de Salvador fizeram uma distribuição inteligente das presenças da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula em Salvador para participar da campanha para o segundo turno.

            Na semana passada, a presidente Dilma foi a um comício em Cajazeiras. Tentou, até beirando os limites da ética democrática, dar um certo respaldo à tese da suposta importância de um alinhamento político entre os governos federal, estadual e municipal, sugerindo aos eleitores que este é o caminho que eles devem seguir.

            Aliás, se todos os eleitores aceitassem a sugestão da presidente da República, digamos, nas eleições de 2012 e 2014, estaria extinta a democracia no país, pois não haveria mais oposição e todos os governantes estariam do mesmo lado. Não haveria debate nem contraditório político, muito menos a fiscalização da conduta governamental pela oposição e acabaria a possibilidade de alternância no poder. A democracia extinta levaria embora com ela a liberdade.

A sugestão da presidente, feita do palanque do comício de Cajazeiras, é perigosa, e creio que uma presidente da República deveria pensar mais antes de dizer coisas assim. O assunto admite e merece um tratamento mais aprofundado, que, no entanto, fica para outra ocasião.

Voltando à questão mesma da distribuição das presenças de Dilma e Lula na campanha para o segundo turno em Salvador, nota-se que a presidente foi levada a Cajazeiras – um dos maiores “colégios” eleitorais da capital e que está posto com ênfase nas campanhas de ACM Neto e Pelegrino – e Lula vai hoje à tarde ao subúrbio ferroviário, onde deverá, segundo anunciado, desfilar em carro aberto. O subúrbio é outro grande colégio eleitoral.

O ex-presidente Lula não vem a Salvador em um momento muito feliz para ele e seu partido. Ainda que o ex-presidente esteja a um pequeno passo de eleger um “poste” chamado Fernando Haddad para prefeito de São Paulo, o que é muito importante politicamente, as duras condenações pronunciadas pelo Supremo Tribunal Federal no processo do Mensalão (Ação Penal 470) representam, a curto e longo prazos, um grande revés político para o PT (pelo carimbo que as decisões judiciais a respeito impõem ao partido) e uma pesada sombra que passa a acompanhar, sob o aspecto histórico, o governo Lula, embora tendo manchado apenas o primeiro quatriênio.

Não dá para por tudo na conta do partido, porque, entre outras razões, o ex-presidente do PT, José Dirceu, foi condenado por acusações relacionadas com sua atuação como ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República. E não dá para por tudo à conta do governo e deixar o partido inocentado por causa de outras condenações, como as do presidente e do tesoureiro do PT e do então presidente da Câmara dos Deputados, outro petista, por ações declaradas crimes pelo tribunal.

Evidentemente que não há como – e não seria correto nem aceitável – sequer sugerir que os petistas, indiscriminadamente, teriam responsabilidade no caso do Mensalão. Implicados estão os que foram julgados e condenados – isto é onde se pode chegar, sem prejuízo de outros processos, em curso ou que venham a ser instaurados.

Na campanha eleitoral deste ano, o julgamento do Mensalão representou uma espécie de ruído de fundo e, sem dúvida, prejudicou o PT. Depois da campanha, o que pode reincidir negativamente na imagem deste partido é a solidariedade política (não humana, que seria louvável) que vem prestando a alguns dos réus condenados e na contramão das sentenças do STF. A solidariedade política aos réus condenados é uma forma enviesada de auto-solidariedade. A médio e longo prazos isto pode custar caro ao partido hoje no poder.
= = = = = = = = = = = = = = = =
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.