Sexta, 26 de outubro de 2012
Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Os 170 índios guaranis kaiowás que há quase um ano ocupam
parte de uma fazenda da cidade de Iguatemi, a cerca de 460 quilômetros
da capital sul-matogrossense, Campo Grande, e cuja situação ganhou
destaque nacional nos últimos dias não terão que deixar a área. A medida
vale pelo menos até que a real situação da propriedade seja esclarecida
ou que laudos antropológicos descartem se tratar, como afirmam os
índios, de terra tradicional indígena.
Segundo a Justiça de Mato Grosso do Sul, diferentemente do que os
índios, as organizações indigenistas e o próprio Ministério Público
Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul chegaram a anunciar, a decisão do
juiz federal Sergio Henrique Bonachela, da 1ª Vara Federal em Naviraí
(MS), constitui liminar de manutenção de posse e não de reintegração da
área ocupada por 100 adultos e 70 crianças guaranis kaiowás desde
novembro de 2011.
A Agência Brasil entrou em contato com a Justiça
Federal em Mato Grosso do Sul hoje (26) de manhã e continua aguardando
uma posição oficial sobre o assunto.
O detalhe jurídico que passou despercebido por muitos pode parecer
trivial, mas, na prática, significa que o oficial de Justiça encarregado
de fazer cumprir a sentença vai limitar-se a notificar os índios de que
o terreno pertence, até prova em contrário, aos proprietários da
Fazenda Cambará. O objetivo de uma liminar de manutenção é apenas
preservar a posse de quem já vinha ocupando a área até que a situação
seja esclarecida. Mesmo assim, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o
MPF ajuizaram recursos contra a decisão no dia 16 de outubro e aguardam o
julgamento.
De acordo com o promotor da República Marco Antonio Delfino, foram
os próprios responsáveis pela fazenda que solicitaram a manutenção de
posse. A decisão do juiz federal, favorável ao pedido, foi dada no
último dia 17 de setembro. Como não há representação da Justiça Federal
em Iguatemi, a incumbência de notificar o grupo indígena foi repassada à
Justiça Estadual, por meio de carta precatória. Legalmente, o prazo
para que o oficial de Justiça local notifique todo o grupo termina no
próximo dia 8.
"Nestes autos, não cabe discutir a quem pertencem as terras a que se
refere o pedido. A proteção à posse, conferida por meio dessa classe de
ações, é conferida até mesmo contra o legítimo proprietário, pois a
razão de ser dessa proteção legal é a pacificação social mediante a
vedação ao desapossamento por ato de particular, seja violento, seja
clandestino", diz o juiz federal em sua decisão. "O reconhecimento do
direito do autor [da ação, o dono da fazenda] em nada constitui desprezo
ou indiferença com a situação da comunidade indígena, parte mais fraca e
vítima da inércia dos órgãos públicos que já deveriam ter feito, há
muito tempo, a demarcação das terras que possam lhe pertencer, podendo
até mesmo conferir-lhe a titularidade das terras em litígio nestes
autos", acrescenta.
Segundo o diretor do cartório do Fórum de Iguatemi, Marco Antonio
Arce, o oficial de Justiça só não começou a notificar antes os guaranis
kaiowás devido à repercussão que o assunto ganhou nos últimos dias por
causa da interpretação de uma carta que lideranças indígenas tornaram
pública.
No texto endereçado ao governo e à Justiça brasileira, os líderes
indígenas falam na possibilidade de “morte coletiva” ao referir-se aos
possíveis efeitos da decisão da Justiça Federal. Dizem que, após anos de
luta, o grupo já perdeu a esperança de sobreviver “dignamente e sem
violência” na região onde, segundo eles, estão enterrados seus
antepassados. Por fim, informam, em tom de ameaça, que decidiram
“integralmente não sair com vida e nem mortos” e pedem que, se for
determinado que eles saiam da área, governo e Justiça enviem "vários
tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar" os corpos.
Embora a palavra suicídio não seja empregada nenhuma vez, a
interpretação de que o grupo estaria ameaçando se matar em sinal de
protesto gerou uma onda de comoção que ganhou as redes sociais e chegou a
ser noticiada por veículos de imprensa internacionais.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), embora, na
carta, o grupo não tenha falado em suicídio, mas sim “em morte coletiva
no contexto da luta pela terra”, a medida extrema tem sido recorrente
entre os índios. A organização ligada à Igreja Católica afirma que a
situação de confinamento em áreas exíguas, a falta de perspectivas, a
violência aguda e a impossibilidade de retornarem às terras tradicionais
a que estão sujeitos os vários grupos indígenas que vivem no estado
levaram ao menos 555 índios a, isoladamente, tirar a própria vida entre
os anos 2000 e 2011. Especificamente em relação aos guaranis kaiowás, o
Cimi lembra que, embora já haja 43 mil deles espalhados por Mato Grosso
do Sul, apenas oito terras indígenas foram homologadas para o grupo
desde 1991.
De acordo com o Ministério Público Federal, até três meses antes de
ocupar 2 dos 762 hectares da Fazenda Cambará, os 170 índios viviam
acampados às margens de uma estrada vicinal, na mesma cidade. Na noite
de 23 de agosto, o acampamento foi supostamente atacado por pistoleiros
que, segundo os índios, atearam fogo nas barracas e feriram várias
pessoas. O MPF tratou o episódio como genocídio e pediu à Polícia
Federal que apurasse as denúncias. Ainda segundo o MPF, a área ocupada
faz parte de uma reserva de mata nativa, que não pode ser explorada
economicamente e está sendo estudada por antropólogos da Funai que, em
breve, devem divulgar suas conclusões.