Domingo, 21 de outubro de 20012
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – A verdadeira epidemia em que se transformou o uso de drogas, especialmente o crack,
depende de ações contra o crime organizado que utilizem mais a
inteligência do que a repressão. Imaginar que é possível blindar a
fronteira brasileira contra o tráfico é ingenuidade, tarefa incapaz de
ser cumprida por qualquer exército no mundo. O Brasil tem 16,8 mil
quilômetros de fronteiras terrestres e 7,3 mil de costa marítima. A
avaliação foi feita pelo pesquisador Ignacio Cano, do Laboratório de
Análise da Violência (LAV) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj).
“O que precisa é investigação e inteligência. A fantasia que existe,
de que a gente vai conseguir resolver o problema por meio do
patrulhamento das fronteiras, é ingenuidade. Não há exército no mundo
que possa patrulhar de forma eficiente uma fronteira do tamanho da
brasileira. A ação pública tem que priorizar a investigação e a
inteligência. A partir da captura de armas e drogas, é preciso
reconstruir a rota para tentar pegar esses grupos.”
Para se obter melhores resultados na luta contra o tráfico, Cano
reforça que é necessário investir mais recursos que capacitem as forças
de segurança a melhorar os setores de inteligência. “Todo combate ao
crime organizado depende basicamente da inteligência. Quanto mais se
investir nessa área, melhor. A questão da movimentação financeira e da
lavagem de dinheiro é o calcanhar de Aquiles do crime organizado.”
Sociólogo vinculado ao Brasil há mais de duas décadas, o espanhol
Cano tem dedicado a carreira a estudar o fenômeno da violência e as
formas de combatê-la, sempre sob a ótica dos direitos humanos. Sobre o
atual surto de uso de crack no Rio, ele questiona se o rumo das ações, de recolhimento dos usuários, é o mais adequado.
“A política de repressão está no rumo errado, porque ela deve ser
feita junto com os usuários e não contra eles. O princípio da internação
compulsória é muito problemático. Os especialistas em saúde pública e
mental concordam que isso não é uma boa ideia. As pessoas acabam saindo
[do tratamento]. Se não houver cooperação ativa delas, não vão se
desintoxicar. O foco da política, infelizmente, parece visar mais à
limpeza de determinadas áreas da cidade do que à ajuda de fato aos
usuários de drogas.”
Cano reconhece que a instalação de unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs) foi um avanço em relação às políticas de segurança anteriores,
mas diz que o sistema deve ser aperfeiçoado. “A política da pacificação é
um avanço em comparação às políticas tradicionais de guerra às drogas
que a gente tinha e ainda tem. Entretanto, o alcance dessa pacificação é
limitado, porque são 29 comunidades [ocupadas], de centenas que
existem. E são apenas em determinadas áreas da cidade. É importante que
as novas UPPs sejam localizadas justamente nas áreas de maior nível de
violência, que são a Baixada Fluminense e a zona oeste.”
Leia também "Pesquisadora: combate ao crack precisa de repressão e prevenção para ser efetivo"
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