Sexta, 19 de outubro de 2012
Do STF
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres
Britto, concedeu pedido de Suspensão de Liminar (SL 644) formulado pela
Procuradoria Geral da República (PGR) contra decisão do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, que suspendeu a retirada de não índios da
área indígena Marãiwatsédé, no Estado de Mato Grosso. O ministro
considerou devidamente caracterizada a grave lesão à ordem e à segurança
públicas para o deferimento do pedido.
Conforme a cronologia apresentada pela PGR, em 1966 cerca de 400
índios xavantes foram retirados da área devido à ampliação da fazenda de
pecuária extensiva Suiá-Missu. Em 1970, a fazenda foi adquirida pela
empresa Agip Petróleo, que, em 1992, na Conferência Mundial do Meio
Ambiente (Eco 92), devolveu a terra aos xavantes.
Após seu reconhecimento formal como terra indígena pelo Ministério da
Justiça, em 1993, e na iminência de ocorrer sua demarcação, a área,
segundo a PGR, foi invadida “por opositores ao estabelecimento da área
indígena”. O Ministério Público Federal, por meio de ação civil pública
julgada procedente tanto em primeira instância quanto no TRF-1, requereu
o cumprimento da sentença com a imediata desocupação da área pelos não
índios, que foi deferido pelo juízo da 1ª Vara Federal da Seção
Judiciária de Mato Grosso.
Diante da possibilidade de acordo entre os xavantes e o governo de
Mato Grosso para permuta da área por outra no Parque Estadual do
Araguaia, e quando, segundo a PGR, a Fundação Nacional do Índio (Funai)
já havia elaborado o plano de desintrusão e o juiz fixado o dia
1º/10/2012 para o início das medidas para isso, o vice-presidente do
TRF-1 concedeu, em medida cautelar inominada, efeito suspensivo a
recurso extraordinário interposto pelos réus.
Para a PGR, essa decisão “está na contramão do interesse público
primário, retirando de um povo o direito à autodeterminação e a exercer
com liberdade e autonomia sua identidade”, e configura “grave lesão à
ordem e à segurança públicas”. A inicial da SL 644 afirma que os índios
xavantes, por mais de 20 anos, “resistiram pacificamente ao esbulho de
suas terras, sempre confiantes no Judiciário”, enquanto os invasores
“reagiram de forma violenta ao primeiro sinal de execução do acórdão que
lhes foi desfavorável”. Ao requerer a suspensão da liminar, o
procurador-geral da República assinala que, segundo relatório da Funai,
os xavantes ocupam apenas 9% da área e o restante sofre processo de
desmatamento ilegal, conversão do solo, grilagem e venda irregular de
lotes.
Condutas espúrias
Ao decidir favoravelmente ao pedido da PGR, o ministro Ayres Britto
explicou que a medida liminar do TRF-1 acabou por conflagrar ainda mais a
região em disputa, em desfavor da comunidade indígena, que, por mais de
50 anos, sofreu com “atos de reconhecida má-fé por parte dos
invasores”. Ele citou trechos do acórdão do TRF-1 na apelação cível em
que foi mantida a sentença de primeiro grau no sentido de que, desde a
década de 60, quando o Estado de Mato Grosso passou a emitir título de
propriedade a não índios “impulsionados pelo espírito expansionista de
‘colonização’ daquela região”, os xavantes da terra Marãiwatsédé foram
vítimas de “condutas espúrias praticadas pelos dirigentes da
Agropecuária Suiá-Missu”, que os expulsaram de suas terras e os alocaram
numa “pequena área alagadiça onde ficaram expostos a inúmeras doenças”.
O acórdão, para o ministro Ayres Britto, “é categórico quanto à
ilegitimidade e má-fé da posse dos não índios”, e a resistência, muitas
vezes armada, ao “plano de desintrusão” representa “uma continuidade de
todo o quadro de violência ao direito dos índios”. Em sua decisão, o
presidente destaca que o STF, ao julgar o RE 416144, que trata da mesma
terra indígena, reconheceu que “a alusão a iminente conflito não se
presta a suspender a decisão que autoriza a entrada dos silvícolas nas
terras indígenas cuja posse lhes é assegurada pelo texto constitucional,
sob pena de inversão da presunção da legitimidade do processo de
demarcação”.