Quarta, 19 de junho de 2013
Por Ivan de Carvalho
A
presidente Dilma Rousseff, denotando certa pressa – já que aproveitou um evento
que nada tinha a ver com o assunto, ontem cedo – leu uma declaração próxima da
perfeição. Implicitamente utilizando sua história de lutadora, na
clandestinidade, contra o regime militar, disse que o grande movimento popular
de rua que se ampliara na véspera pelo país precisava ser ouvido e está sendo
ouvido (por ela e seu governo).
Foi uma
iniciativa inteligente. A amplitude que o conjunto de manifestações ganhara,
bem como a ampliação de sua pauta, tornou-o uma coisa muito séria, distante
anos luz de um mero protesto por causa de aumento de 20 centavos nos preços das
passagens de ônibus na cidade de São Paulo, bem como de metrô e trens
metropolitanos.
A idéia e o texto do
discurso podem ser questionados – a presidente respira frequentemente
inspiradores ares baianos –, mas não a vocalização. Ao ler as palavras da
declaração, ela não apoiou o movimento, mas deixou claro, sem entrar em
detalhes, que entende sua dimensão ampla, nos dois sentidos – o da participação
e o das razões que o inspiram. Colocou-se numa situação de atenta compreensão
da mobilização popular, elidindo qualquer sinal ostensivo de estar nadando
contra a corrente.
A presidente executou uma
manobra inteligente no esforço para resguardar sua imagem ante essa inesperada
irrupção de manifestações de rua, que tem segura repercussão no recesso dos
lares e além das fronteiras do país. De certo modo, pode-se dizer que ela
tratou de “sair da frente” em um esforço para não se tornar alvo, ao menos
pessoalmente.
Mas há uma questão de
fundo, ou de mérito, que não pode ser elidida: a pauta do movimento já inclui
os gastos tão exorbitantes quanto desnecessários com a Copa das Confederações e
a Copa do Mundo de 2014, para não falar ainda das Olimpíadas de 2016, invenções
do ex-presidente Lula que o governo Dilma vai tocando, aparentemente da pior
maneira possível (é copioso o noticiário que leva a essa conclusão). Isso,
enquanto o sistema público de saúde, à míngua de recursos e mal administrado,
cai aos pedaços, a educação patina, a violência criminosa se afirma,
transformando os cidadãos em prisioneiros do medo.
Há também
a questão permanente, mas cada vez mais aguda, da má utilização quase geral dos
recursos públicos, por desperdício, incompetência, negligência e corrupção.
Mas de todos os fatores,
se tomados isoladamente, talvez o que mais esteja contribuindo para o
crescimento das manifestações de rua seja a inflação, ou seu efeito mais
imediato, a elevação dos preços de produtos e serviços, sentida a cada dia
pelos consumidores-cidadãos. Este fator, junto com outros percalços na
economia, aumentou o grau de pessimismo dos brasileiros com o desempenho
econômico do país no futuro próximo e está insuflando uma insatisfação difusa
que impulsiona muitas das pessoas para, afinal massivamente, deixarem suas
casas e irem para as manifestações de rua.
Um ponto importante nessas
manifestações é o momento em que acontecem. Não há indícios fortes de que o
momento foi planejado, porque ele foi deflagrado em São Paulo, quando o
prefeito Fernando Haddad, do PT, e o governador Geraldo Alckmin, do PSDB,
anunciarem, respectivamente, o aumento dos preços das passagens de ônibus e dos
trens e metrô. Também o fato de o movimento haver nascido nas redes sociais da
Internet, de forma aparentemente espontânea, dá a entender que não houve um
planejamento, mas sim uma idéia, um impulso e a ação para dar-lhes
consequência.
No entanto, se fosse
planejado, o momento não poderia ser melhor que o escolhido. Por causa da Copa
das Confederações, o país está sendo cheio de representantes da mídia
estrangeira. Então acontece algo surpreendente, não esperado, impactante. Somos
um dos maiores países do mundo, com destaque para tamanho do território, da população
e da economia. A presença da mídia estrangeira reforça muito a repercussão das
manifestações no exterior. E a Copa das Confederações põe o país no foco de
veículos de comunicação de outros países. Para o bem e para o mal.
No mais, só para não
deixar passar batido: hoje também tem.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.