Sábado, 8 de junho de 2013
Helio Fernandes
Identificação unânime entre todos os analistas ou comentaristas: “O
presidente dos EUA é o homem mais importante do mundo inteiro”. Não deve
ser verdade ou não passa de exagero. Outra unanimidade: Obama, pessoal e
individualmente, não é adepto da tortura, não tem nada a ver com isso.
Então, porque não acaba com esse horror inacreditável e indefensável das
prisões em Guantánamo?
Já prometeu várias vezes, “vou dar um fim a essas torturas”. Não deu.
Se é poderoso e repudia esse naufrágio da dignidade humana, então é
porque alguma força maior se coloca no caminho. Qual seria? Políticos
não têm importância para isso, então deve ser um grupo militar que manda
mais de tudo e de todos.
Nem na “guerra fria” se torturou tanto. Só que torturavam dos dois
lados, tanto americanos quanto soviéticos. Mas era a “tortura por
informação”, havia esse objetivo, nada defensável, mas era a guerra.
Gastaram bilhões e bilhões, de lado a lado, não obtinham informações
importantes.
Os agentes dos EUA e da União Soviética “delatavam” e forneciam tudo
que sabiam, ninguém resiste à tortura. E a pior forma de tortura, a mais
cruel, sanguinária e mortal, é quando o torturado nada tem a dizer, e o
torturador acredita que ele saiba muito. Então, insiste até o torturado
não resistir mais, desfalecer ou mesmo morrer.
No desenrolar da “guerra fria”, americanos e soviéticos criticavam e
acusavam seus próprios representantes de “traidores”, por entregarem o
pouco ou tudo que sabiam. Finalmente compreenderam a realidade, fizeram
um acordo: não haveria mais tortura de um lado ou do outro.
A MUDANÇA DE TÁTICA
O acordo da não–tortura era para valer e tinha que ser cumprido. Se
não fosse, voltaria a violência física, mortes desnecessárias. Assim,
passaram a investir em espiões duplos, procuravam obter informações de
outra maneira. Custavam caríssimo, mas soviéticos e americanos pagavam
sem regatear, dinheiro era o que não faltava.
Levantamentos de especialistas chegaram à conclusão: nos 30 anos da
guerra fria, 1960 (quando chegou ao auge) até 1991 (o fim da guerra fria
e da União Soviética) foram gastos 5 ou 6 vezes mais do que na Segunda
Guerra Mundial.
Os americanos jogaram todo o dinheiro possível e imaginável no fim da
União Soviética. Conseguiram. Tinham dinheiro fácil, desde o Plano
Marshall, que começou logo em 1946, com o fim da guerra.
A União Soviética arruinou o presente e o futuro, explodindo mais de
70 por cento do orçamento nos gastos com a guerra fria e na fabricação
de equipamentos caríssimos.
A União Soviética não conseguia produzir bons liquidificadores, o
carro feito por eles, o Lada, não saia do lugar. Mas construía
submarinos atômicos que surpreendiam e assustavam os adversários. Foram
ao espaço antes dos americanos (com Gagarin, que imortalizou a
constatação “a Terra é azul”), não foram à Lua, precisamente por causa
da loucura dos gastos militares.
A GUERRA IRÃ-IRAQUE
Destruída a União Soviética (que deveria ter durado mais do que de
1917 a 1991), os aproveitadores ficaram bilionários, explorando o que
sobrou. Muitos já sabiam do fim, roubaram tudo que podiam. Meses depois
do fim da União Soviética, na lista dos 100 mais ricos da Forbes,
estavam 12 russos, já não eram mais soviéticos. Alguns estão pela
Europa, donos de times de futebol, asilados em países como a Inglaterra.
A guerra Irã-Iraque, que durou anos, foi toda combatida com
armamentos da antiga União Soviética. Tudo vendido por mercenários, que
se diziam “ex-soviéticos”. Não eram nada. Mas sem o equipamento militar
da antiga União Soviética, não teria havido essa guerra, seria travada
“com paus e pedras”, como disse Einstein sobre o que acontecerá depois
de uma guerra nuclear.
GUANTÁNAMO: A CRUELDADE PELA
CRUELDADE, A TORTURA PELO PRAZER
DA TORTURA, NENHUMA INFORMAÇÃO
“Guerra é guerra”, dizem todos, defendendo os métodos usados,
incluindo a tortura. É de uma certa maneira deplorável, mas temos que
concordar, todos estamos sem razão. Como justificar a morte de 60
milhões de pessoas na Segunda Guerra Mundial, a não ser pela necessidade
de vitória? Mas em Guantánamo não existe nada disso.
Prisioneiros numa fortaleza construída em 1903 para defender Cuba da
invasão da Espanha. E hoje serve de esconderijo para prisioneiros, que
pela Constituição do EUA, não podem ficar presos no país. Nem presos nem
torturados, a não ser em Guantánamo, que não é território americano.
O “ATO PATRIÓTICO” PERMITE TUDO,
TORNA COMPREENSÍVEL QUALQUER
TORTURA, VIOLÊNCIA, VANDALISMO
O 11/09 transformou a tortura, seja ela qual for, em “defesa contra o
terrorismo”. Numa das raras vezes em que o Congresso (Câmara dos
Representantes) votou de forma unânime, o presidente era George W. Bush.
Os Democratas não queriam votar a FAVOR dele, mas não admitiam, de
forma alguma, votar CONTRA a opinião pública.
A partir daí, vale tudo. Bush não tinha nenhum caráter, representava a
falta de convicções, se refugiava num patriotismo rombudo, decadente e
inexplicável. Só que Obama, qualquer que seja a posição em relação a
ele, não tem nada a ver com o que se passa em Guantánamo. Podem fazer o
que quiserem, não haverá repercussão, a não ser mutilada ou escondida.
Ao que se sabe, até agora ainda não morreu ninguém, o objetivo não é
matar, e sim torturar. São quase 200 prisioneiros, alguns estão lá há
mais de 10 anos. Respondem a “crimes não especificados”, e as
autoridades não estão interessadas em elucidar e sim em aterrorizar.
Por causa do que poderia ser divulgado como “crime bárbaro”, o
poderoso Donald Runsfeld determinou duas formas de comportamento: 1 –
Métodos especiais de interrogatório”. 2 – Nesses “métodos de
interrogatório”, a “simulação” ganhou prioridade sobre a morte. Essa
“simulação” é mais cruel do que qualquer tortura verdadeira. A tortura
pode acabar ou até ser desejada pela morte, a “simulação” é uma diversão
para os “torturadores-interrogadores”.
(Há quem diga que em Guantánamo repetem o que foi feito há mais ou
menos 150 anos com o escritor russo Dostoievski. Condenado à morte por
fuzilamento, sofreu barbaramente (o que nunca foi surpreendente na
Rússia (antes e depois de 1917), com o que já chamavam de simulação.
Depois de muito sofrimento, a morte por fuzilamento foi transformada em 4
anos de prisão, que ele cumpriu).
PS – O que se comenta sobre essas simulações é assustador. Dias e
dias sem alimentação, depois comida de meia em meia hora, tinham
certeza de que os presos haviam perdido toda a noção de tempo.
PS2 – Tortura com música tão alta que os presos gritavam de
desespero, eram “levados à loucura”. Isso foi “inventado” na Inglaterra e
utilizado aqui, no famigerado DOI-CODI.
PS3 – Especialistas em opinião pública explicam: “Obama quer
acabar com essa selvageria e fechar Gantánamo, já foi alertado que
nenhum desses prisioneiros pode ser levado a um tribunal americano.
PS4 – Obama estaria tentando ganhar tempo, até chegar perto do
fim de seu mandato. Seria o medo de enfrentar a opinião pública. Ou um
julgamento insensato sobre o que pensa e deseja o cidadão americano.