Sábado, 8 de junho de 2013
Da PúblicaAgência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
O operário Jaílson, que vive no entorno do Itaquerão, é símbolo das
contradições da Copa: enquanto dá duro para acelerar as obras, corre o
risco de ver sua casa no chão
“Aquele primeiro bar ali é do Jaílson, procura ele lá que você vai
achar”, me disse, de dentro de seu próprio bar, apontando para a
direita, o motorista Pedro Fortunato, o Seu Pedro, figura notória da
Comunidade da Paz, em Itaquera, zona Leste de São Paulo. O relógio
marcava 17h20, mas a noite já ensaiava aparecer às margens do córrego do
rio Verde quando chego ao bar indicado, uma birosca típica de favela,
que toca alto um pagode romântico dos anos 1990 – enquanto estive ali,
além dos pagodes de Belo, Alexandre Pires e Revelação, ouvi o rap dos
Racionais MC’s e Sabotage.
O comércio que complementa a renda do operário é simples: chão de terra batida, iluminação de uma única lâmpada (a energia vem de uma “gambiarra”, assim como a água), um pequeno balcão ao fundo, algumas poucas pessoas bebendo e jogando sinuca. Encontro os olhos claros de Jaílson atrás do balcão. Ele me estende a mão calejada pelo trabalho braçal e nem me deixa me desculpar pelo atraso, diz que tinha acabado de chegar também.
Jaílson ainda veste as calças amarelas com faixas refletoras de luz e
botas grossas, o uniforme usado na construção civil. A Copa do Mundo,
decidida por engravatados em escritórios de Genebra, o transformou numa
contradição ambulante: o operário mora na comunidade vizinha ao estádio,
ameaçada de remoção exatamente pelas obras em que trabalha. Ele é
encarregado da “armação”, passa o dia montando armações metálicas para
receber concreto nos canteiros das obras viárias do futuro estádio do
Corinthians e do Polo Institucional de Itaquera, colado ao estádio, que
contará com uma FATEC, uma ETEC, uma biblioteca, unidades do corpo de
bombeiros e da PM e um parque linear.
Idealizado na gestão de Gilberto Kassab (PSD), o projeto da prefeitura de São Paulo foi incluído nas obras da Copa e apresentado como um legado do mundial para a cidade. O prazo para a conclusão das obras, meados de 2014, angustia os moradores da Comunidade da Paz que, como Jaílson, não sabem o que será feito deles depois.
“Me bate uma tremenda revolta, cara. Acho uma tremenda falha e erro do ser humano”, ele diz de modo assertivo, direto, olhos nos olhos. A voz seca, a expressão sisuda parecem encarar o sofrimento com naturalidade. Penso em Fabiano, protagonista de Vidas Secas, acostumado a se conter diante da face dura que a vida lhe mostrou. Como o personagem de Graciliano Ramos, Jaílson se sente massacrado a ponto de duvidar de sua condição humana: “Me sinto tratado como lixo, como um animal”, resume.
Ironicamente, o terreno que hoje abriga o bar de Jaílson, na frente de sua casa, já foi um lixão. “Conforme vai adiantando aquela obra, eu vou me afastando do lugar em que eu criei os meus filhos. Pra mim não é fácil porque eu sei que quanto mais adiantar aquela obra, mais rápido eu vou ser expulso de lá. Mas tem que fazer né? Eu preciso do trabalho, preciso colocar comida na mesa para os meus filhos, não tem jeito, tem que fazer uma coisa sacrificando outra”, consola-se.
Leia a íntegra Idealizado na gestão de Gilberto Kassab (PSD), o projeto da prefeitura de São Paulo foi incluído nas obras da Copa e apresentado como um legado do mundial para a cidade. O prazo para a conclusão das obras, meados de 2014, angustia os moradores da Comunidade da Paz que, como Jaílson, não sabem o que será feito deles depois.
“Me bate uma tremenda revolta, cara. Acho uma tremenda falha e erro do ser humano”, ele diz de modo assertivo, direto, olhos nos olhos. A voz seca, a expressão sisuda parecem encarar o sofrimento com naturalidade. Penso em Fabiano, protagonista de Vidas Secas, acostumado a se conter diante da face dura que a vida lhe mostrou. Como o personagem de Graciliano Ramos, Jaílson se sente massacrado a ponto de duvidar de sua condição humana: “Me sinto tratado como lixo, como um animal”, resume.
Ironicamente, o terreno que hoje abriga o bar de Jaílson, na frente de sua casa, já foi um lixão. “Conforme vai adiantando aquela obra, eu vou me afastando do lugar em que eu criei os meus filhos. Pra mim não é fácil porque eu sei que quanto mais adiantar aquela obra, mais rápido eu vou ser expulso de lá. Mas tem que fazer né? Eu preciso do trabalho, preciso colocar comida na mesa para os meus filhos, não tem jeito, tem que fazer uma coisa sacrificando outra”, consola-se.