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(Millôr Fernandes)

sábado, 24 de agosto de 2013

Ligações suspeitas com partido de diretor do DFTrans

Sábado, 24 de agosto de 2013

Isa Stacciarini
isa.coelho@jornaldebrasilia.com.br

A gestão do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), comandada por Marco Antônio Campanella, virou alvo de investigação da Procuradoria Regional Eleitoral. A mais nova denúncia é de que 93 funcionários, entre servidores comissionados e terceirizados que prestam serviço ao órgão, são filiados ao partido político Partido Pátria Livre (PPL).  Coincidentemente ou não, o diretor-geral é presidente regional da legenda. 

 














O JBr teve acesso a documentos que embasam a denúncia. Dos 62 comissionados, 17 deles, o que inclui o próprio diretor-geral  e o chefe de gabinete, Daniel Corrêa, têm   cadastro ou pedido de filiação ao PPL. O número representa 27,4% apenas dos que têm cargos comissionados e possuem alguma ligação com o partido. Há quem seja filiado há aproximadamente cinco anos, mas outros  entraram com pedido entre dezembro do ano passado e maio deste ano. 
Já os terceirizados têm contrato com a empresa Paulista Serviços e Transporte. Ao todo, 301 empregados prestam serviços à autarquia e ao Sistema de Bilhetagem Automática (SBA). Uma verificação no site do PPL aponta para 72 trabalhadores do DFTrans filiados ao partido de Campanella. A maioria tem cargo de operador de bilhetagem, mas há técnicos em suporte de rede, encarregado geral, motorista executivo, digitador, operador de telemarketing e secretária executiva. 


Todos teriam relação com o PPL que já vem de anos. Alguns entraram com pedido de filiação que  está arquivado e datado. A maioria, porém, ingressaria no DFTrans ainda sem vínculo partidário. Mas pouco tempo depois, já apresentam uma solicitação para apoiar a legenda. O processo acontece em até 90 dias. 
Exemplos
Foi o que aconteceu com um operador de bilhetagem, admitido em 2 de maio deste ano.  Após 48 dias, em 18 de junho, ele entrou com pedido de filiação. Há processos ainda mais rápidos. Um outro operador de bilhetagem contratado em 17 de julho teve a filiação reconhecida 14 dias depois. O mesmo aconteceu com um técnico de processamento de dados. Ele foi admitido em 1º de fevereiro, e no dia 20 já teve o pedido de filiação protocolado. Caso parecido com uma técnica em suporte de rede, contratada em 17 de abril. Em menos de um mês, em 10 de maio, ela deu entrada com pedido de filiação.


Contratação depois de registro na legenda


Há funcionários que são admitidos depois do pedido de filiação. Este é o caso de uma operadora de bilhetagem cuja solicitação de vínculo com o PPL é datado em 20 de abril de 2013. Somente após o pedido é que ela consegue a admissão, em 6 de maio, 17 dias depois. Um técnico em suporte de rede também passa pela mesma situação. Ele se filia em 15 de julho de 2012 e pouco mais de cinco meses é contratado, em 27 de dezembro.
Entretanto, existem casos de funcionários terceirizados que chegaram a ser demitidos por se recusarem a se filiar ao partido. É o caso de um ex-operador de bilhetagem, que prefere não ser identificado. Ele prestava serviços ao SBA desde janeiro do ano passado. Em dezembro de 2012, o ex-funcionário conta que houve a transição de pessoal para a empresa Paulista Serviços e Transporte.
“Quem era filiado ao partido PPL permaneceu com o emprego na Paulista. Os que não tinham vínculo recebiam proposta de filiação. Quem não concordava, como eu, que recebi o convite e não aceitei, era demitido. Isso aconteceu comigo e mais aproximadamente 50 pessoas”, denuncia.
“Atrás de lideranças”
O ex-operador de bilhetagem mostra uma conversa que teve com outra funcionária que   ainda é operadora de bilhetagem. O bate-papo acontece por meio do Facebook. A colega de trabalho explica como o processo funciona: “Já estamos atrás das lideranças. Filiamos quase 30 ontem. O mais importante é a aprovação do Campanella. E isso, pelo jeito, eu já tenho”, escreveu, entre risos. 
O funcionário que não aceitou a filiação foi demitido sem justa causa em   dezembro. “Não quis me filiar, pois não queria ficar desembolsando todo mês 2% do meu salário com contribuição ao partido. Além disso, depois que a gente se vincula ao partido, nós temos que ficar tentando novas filiações de outras pessoas. Meio que se fica à mercê do PPL”, relata o homem, indignado.


Procurador investiga


O procurador regional eleitoral  Elton Ghersel  afirma que já instaurou procedimento de investigação devido aos indícios   de que servidores do DFTrans estariam fazendo uso do cargo para ingressar interessados ao PPL.  
No início da semana, foi enviado um ofício ao DFTrans para que apresentasse a relação dos cargos comissionados. Ao PPL foi solicitada a relação dos últimos filiados. “O cruzamento de dados será feito, mas qualquer pessoa que analisa a situação percebe uma possível utilização de cargos comissionados como meio de instrumento de filiação partidária. Pode estar ocorrendo um aparelhamento do órgão público”, ressalta.
Ghersel aponta que a atitude pode ser ato de improbidade administrativa: quando se faz uso de cargos públicos para atender interesses pessoais. Por isso, o procurador  já acionou o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Mas também há possibilidade de uma violação à lei eleitoral que consiste na utilização da função pública para beneficiar algum partido. “Neste caso seria um benefício direto ao partido, o que é uma conduta vedada ao agente público, sob pena de multa. Outras providências, dependendo da situação, gerariam uma  exoneração do cargo”, diz.
O MP  informou que a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep) não vai se pronunciar por enquanto, pois ainda não há documento formalizado.


Sem justa causa
Outra ex-funcionária também foi demitida  da autarquia comandada por Campanella (foto) sem justa causa. Ela entrou com pedido de filiação, mas   desistiu e não pagou a primeira parcela de contribuição. “Eles falavam: Você não quer se filiar ao PPL? É um partido que está crescendo e tem oportunidades”, relata. Ela afirma que para trabalhar no SBA os empregados precisam necessariamente ter vínculo com o PPL. “Me rendi ao convite com receio de ficar desempregada. O mais engraçado é que eu ainda recebia os boletos meses depois da demissão”.


pontodevista


O professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, destaca que a nomeação de servidores comissionados ligados a determinados partidos políticos se refere ao modus operandi de cada governo. Segundo o especialista, Brasília provavelmente é a campeã de todos os demais locais do Brasil em relação a nomeações políticas. O educador explica que no governo federal a presidente Dilma Rousseff pode, livremente, nomear até 25 mil cargos sem concurso público. No caso do GDF a possibilidade é de 18 mil nomeações  em cargos comissionados. “A contratação por questões de filiação partidária se refere a admissão de um corpo profissional que não é competente tecnicamente. Não são técnicos para executar tal serviço. Portanto, vai ter uma equipe muito inferior à capacidade técnica. Foram contratados apenas dentro de conformes políticos. O GDF deveria tomar uma providência quanto a essas situações”, afirma.


Em busca de respostas da empresa


O Jornal de Brasília procurou a empresa Paulista Serviços e Transporte no endereço disponível na internet, no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (Saan). Mas ao chegar na quadra e no lote informados, a empresa não foi localizada pela equipe. As tentativas de contato por telefone também foram frustradas.
Depois disso,  a reportagem seguiu para o Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), em outro endereço que constava na internet, e finalmente conseguiu encontrar a empresa Paulista. Porém, às 16h40 o JBr interfonou ao respectivo andar, mas foi informado de que não havia nenhum diretor da instituição no local. Ao ser questionada, uma funcionária disse para a equipe retornar na segunda-feira. Após uma série de perguntas, a empregada encerrou a conversa.
Telefone
O Jornal de Brasília ainda tentou contato com um novo número de telefone fixo informado, mas a mesma funcionária desligou a chamada após identificação da reportagem.


versãooficial


Embora exista a situação de 93 servidores comissionados e terceirizados vinculados ao PPL, o DFTrans esclarece que os cargos comissionados são escolhidos pela capacidade técnica e profissional, onde a confiança é um dos principais instrumentos para a escolha e que não “obedece a nenhum critério político partidário”. A autarquia explicou, ainda, que assuntos referentes ao desligamento de funcionários são tratados com a empresa contratante e no caso de partidos políticos o mesmo deve ser retratado diretamente com as siglas partidárias. Por fim, a direção do DFTrans reafirma que não utiliza qualquer expediente para favorecer partido político.

Fonte: Da redação do clicabrasilia.com.br