Quarta, 18 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho

Mas pode ser que a presidente Dilma
Rousseff não esteja tão zangada assim. A denúncia de espionagem global feita
pelo herói moderno Edward Snowden, no que diz respeito ao Brasil, tem sido
manipulada habilmente como instrumento de política interna. Simples. A
popularidade da presidente e a aprovação de seu governo haviam desabado em
junho e executavam depois disso uma lenta e penosa recomposição. Lenta demais,
frise-se. Então cai de paraquedas, portanto, dos céus, essa denúncia de
espionagem perpetrada pelo “império”.
Ah,
meu Deus, coisa melhor não podia desejar o marketing político-eleitoral. Não é
mesmo, Patinhas? A presidente braba. O nacionalismo redescoberto explodindo em
cada palavra, em cada sílaba, em cada letra do discurso político. A presidente
dando esbregue no “império”. A presidente exigindo desculpas ostensivas ou
explicações absolutas e, sabendo que não podia receber nem umas nem outras,
avisando que sem o atendimento das exigências não faria a “visita de estado”
prevista para outubro. Essas visitas são uns salamaleques, com direito a jantar
de gala na Casa Branca. Uma espécie de Prêmio Nobel da diplomacia americana.
É claro que a bisbilhotagem global
precisa ser, ainda que quase que só verbal e simbolicamente, como até agora tem
ocorrido, repelida. Não porque os segredos visados, no caso Brasil, pelo que
até agora veio à luz, sejam assim tão valiosos.
O
nhém-nhém-nhém da presidente, por exemplo, com o ex-ministro Antonio Patriota e
o assessor especial para Assuntos Internacionais Marco Aurélio Garcia sobre –
para contentar o presidente companheiro Evo Morales – a malvadeza aplicada
contra o senador boliviano Pinto Molina, que estava confinado na embaixada do
Brasil na Bolívia, não chega a ser um assunto capaz de assanhar os analistas de
informação da Agência Nacional de Segurança (NSA) do “império”.
Restariam
mesmo dois focos de interesse.
O
pré-sal, pois os Estados Unidos – que agora estão explorando a mil, em seu
próprio território, o gás de xisto, que poderá torná-los mais ou menos
autossuficientes em fontes de energia fóssil – querem de uma vez por todas
livrar-se da ainda enorme dependência que hoje têm do petróleo do Oriente
Próximo e Médio. Um caminho importante para isto é comprar ao Brasil o petróleo
do Pré-Sal.
O
outro foco de interesse da denunciada e não negada incursão da NSA no Palácio
do Planalto provavelmente diz respeito à política estratégica do governo do Brasil
em relação ao próprio país (no que diz respeito à preservação ou cassação da
liberdade e da democracia) e as extensões dessa estratégia na interação com as
de alguns outros países da América Latina, a exemplo de Venezuela, Cuba,
Bolívia, Equador, Argentina, pois o Paraguai deu o pulo do gato. Somem-se
algumas daquelas coisinhas da América Central, como a Nicarágua (lembram-se
daquela incrível patacoada de Honduras?) e chegaremos ao reconhecimento de que
o Brasil, pelas suas dimensões territoriais, populacionais e econômicas, atrai
curiosidade. E curiosidade, historicamente, atrai espionagem.
A
espionagem realmente precisa ser repelida, vale repetir, porque ela é global,
ela atinge tanto os Estados quanto – isso é muito pior – os indivíduos, ela é
avassaladora e ela não será contida, mas temos todos o dever de tentar. De
retardar. De preservar nichos em que não penetre.
Mas
o incrível, o risível, o impensável é essa impressão forte de que o governo
brasileiro não sabia que grau já atingiu o monitoramento global. Deve ter sido
o último a saber. Ou talvez ainda nem saiba, já que pediu explicações completas
– “tudo, everything” – quando só
havia a receber nada, anything.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.