Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Adiado o Prêmio Nobel

Quarta, 18 de setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Rousseff decidiu e então ela e Obama combinaram por telefone adiar a “visita de estado” que ela faria aos Estados Unidos em 23 de outubro. Aparentemente está muito zangada por não haver o presidente americano nem seu governo apresentado desculpas ou fornecido explicações completas para a espionagem eletrônica que atingiu a Petrobrás (o interesse dos Estados Unidos no pré-sal é grande e um pouco de espionagem é uma tentação irresistível) e setores do governo brasileiro, especialmente a presidente da República em pessoa, Dilma Rousseff, em suas comunicações com assessores (imagino que os oficiais e os informais, a exemplo de Lula).

         Mas pode ser que a presidente Dilma Rousseff não esteja tão zangada assim. A denúncia de espionagem global feita pelo herói moderno Edward Snowden, no que diz respeito ao Brasil, tem sido manipulada habilmente como instrumento de política interna. Simples. A popularidade da presidente e a aprovação de seu governo haviam desabado em junho e executavam depois disso uma lenta e penosa recomposição. Lenta demais, frise-se. Então cai de paraquedas, portanto, dos céus, essa denúncia de espionagem perpetrada pelo “império”.

Ah, meu Deus, coisa melhor não podia desejar o marketing político-eleitoral. Não é mesmo, Patinhas? A presidente braba. O nacionalismo redescoberto explodindo em cada palavra, em cada sílaba, em cada letra do discurso político. A presidente dando esbregue no “império”. A presidente exigindo desculpas ostensivas ou explicações absolutas e, sabendo que não podia receber nem umas nem outras, avisando que sem o atendimento das exigências não faria a “visita de estado” prevista para outubro. Essas visitas são uns salamaleques, com direito a jantar de gala na Casa Branca. Uma espécie de Prêmio Nobel da diplomacia americana.

         É claro que a bisbilhotagem global precisa ser, ainda que quase que só verbal e simbolicamente, como até agora tem ocorrido, repelida. Não porque os segredos visados, no caso Brasil, pelo que até agora veio à luz, sejam assim tão valiosos.

O nhém-nhém-nhém da presidente, por exemplo, com o ex-ministro Antonio Patriota e o assessor especial para Assuntos Internacionais Marco Aurélio Garcia sobre – para contentar o presidente companheiro Evo Morales – a malvadeza aplicada contra o senador boliviano Pinto Molina, que estava confinado na embaixada do Brasil na Bolívia, não chega a ser um assunto capaz de assanhar os analistas de informação da Agência Nacional de Segurança (NSA) do “império”.

Restariam mesmo dois focos de interesse.

O pré-sal, pois os Estados Unidos – que agora estão explorando a mil, em seu próprio território, o gás de xisto, que poderá torná-los mais ou menos autossuficientes em fontes de energia fóssil – querem de uma vez por todas livrar-se da ainda enorme dependência que hoje têm do petróleo do Oriente Próximo e Médio. Um caminho importante para isto é comprar ao Brasil o petróleo do Pré-Sal.

O outro foco de interesse da denunciada e não negada incursão da NSA no Palácio do Planalto provavelmente diz respeito à política estratégica do governo do Brasil em relação ao próprio país (no que diz respeito à preservação ou cassação da liberdade e da democracia) e as extensões dessa estratégia na interação com as de alguns outros países da América Latina, a exemplo de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Argentina, pois o Paraguai deu o pulo do gato. Somem-se algumas daquelas coisinhas da América Central, como a Nicarágua (lembram-se daquela incrível patacoada de Honduras?) e chegaremos ao reconhecimento de que o Brasil, pelas suas dimensões territoriais, populacionais e econômicas, atrai curiosidade. E curiosidade, historicamente, atrai espionagem.

A espionagem realmente precisa ser repelida, vale repetir, porque ela é global, ela atinge tanto os Estados quanto – isso é muito pior – os indivíduos, ela é avassaladora e ela não será contida, mas temos todos o dever de tentar. De retardar. De preservar nichos em que não penetre.

Mas o incrível, o risível, o impensável é essa impressão forte de que o governo brasileiro não sabia que grau já atingiu o monitoramento global. Deve ter sido o último a saber. Ou talvez ainda nem saiba, já que pediu explicações completas – “tudo, everything” – quando só havia a receber nada, anything.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.