Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Festa e protesto

Sexta, 6 de setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Sete de Setembro, o dia em que se comemora a Independência do Brasil em relação a Portugal, não deverá ser, este ano, apenas marcado por festejos e desfiles oficiais. Em Brasília, a presidente Dilma Rousseff estará no palanque com seus ministros, outros auxiliares e convidados para presenciar o principal desfile militar que acontecerá no país para marcar a data.

         Presume-se, pela mobilização que se tenta fazer pelas redes sociais da Internet e, mais discretamente, por outros meios, que em espaço próximo – mas não no mesmo, o que não seria possível nem sensato – que haverá uma manifestação popular de caráter semelhante às que ocorreram em junho.

Protesto contra certas coisas bem definidas, a exemplo da situação caótica do sistema de saúde pública, da insegurança pública generalizada, da educação pública em total decadência, da imobilidade urbana (isto, menos em Brasília e mais em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e tantas outras grandes cidades).

No caso de Brasília, há razões para lá ser emblemático, mais forte que em miríades de outros lugares também muito afetados, o protesto contra a corrupção e o mau comportamento, agora além de ostensivo, também estabanado, dos políticos, com a tradicional ressalva das exceções que confirmam a regra geral.

Pois que a Câmara dos Deputados, em uma sessão simplesmente inacreditável, decidiu (por planejada falta de quorum dos omissos para impedir a decisão aceitável) preservar o mandato do deputado Donadon, com sentença condenatória do STF transitada em julgado e já cumprindo pena na penitenciária da Papuda, no Distrito Federal. Deputado presidiário e sem direitos políticos. A simples perda dos direitos políticos, resultante automática da condenação criminal transitada em julgado, já tornaria para ele impossível votar, eleger-se ou manter o mandato eletivo. À Mesa da Câmara caberia exclusiva e automaticamente declarar a perda do mandato.

Mas o presidente da Câmara não teve a coragem de assumir o peso desta ação prevista na Constituição e quis passar a batata quente ao plenário. Ou imaginou que o plenário, diante da estranhíssima situação (ausência de direitos políticos e deputado cumprindo pena, ainda mais que em regime fechado), chutaria o balde do corporativismo e votaria pela cassação do mandato. Ou não imaginou que, se o mandato fosse absurdamente preservado, como foi, a reação social seria tão forte que ele próprio, presidente da Câmara, teria que vir a público pedir desculpas à nação, afirmar que o episódio representou “o maior dano” já sofrido pela Câmara e declarar a esquisita “suspensão” do mandato do deputado-preso, convocando o suplente.

Os sistemas de saúde e educação públicos do Distrito Federal estão em situação desastrosa (como na Bahia e em tantos outros Estados), um inferno para diabo nenhum botar defeito. Mas o brilho maligno desse evento ocorrido na Câmara dos Deputados e a apreciação dos embargos do julgamento do Mensalão (com o surgimento, em um segmento do STF, reforçado por ministros recém-nomeados, de recuar da posição severa que o STF adotou no julgamento para modificar as sentenças por formação de quadrilha mediante os legalmente duvidosos embargos infringentes) podem colocar a impunidade e a corrupção, irmãs gêmeas, como principal ponto de manifestações que ocorram em Brasília amanhã.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano. 
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