Por Ivan de Carvalho

Presume-se, pela mobilização que se
tenta fazer pelas redes sociais da Internet e, mais discretamente, por outros
meios, que em espaço próximo – mas não no mesmo, o que não seria possível nem
sensato – que haverá uma manifestação popular de caráter semelhante às que
ocorreram em junho.
Protesto
contra certas coisas bem definidas, a exemplo da situação caótica do sistema de
saúde pública, da insegurança pública generalizada, da educação pública em
total decadência, da imobilidade urbana (isto, menos em Brasília e mais em
cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e tantas outras grandes
cidades).
No
caso de Brasília, há razões para lá ser emblemático, mais forte que em miríades
de outros lugares também muito afetados, o protesto contra a corrupção e o mau
comportamento, agora além de ostensivo, também estabanado, dos políticos, com a
tradicional ressalva das exceções que confirmam a regra geral.
Pois
que a Câmara dos Deputados, em uma sessão simplesmente inacreditável, decidiu
(por planejada falta de quorum dos omissos para impedir a decisão aceitável)
preservar o mandato do deputado Donadon, com sentença condenatória do STF transitada
em julgado e já cumprindo pena na penitenciária da Papuda, no Distrito Federal.
Deputado presidiário e sem direitos políticos. A simples perda dos direitos
políticos, resultante automática da condenação criminal transitada em julgado,
já tornaria para ele impossível votar, eleger-se ou manter o mandato eletivo. À
Mesa da Câmara caberia exclusiva e automaticamente declarar a perda do mandato.
Mas
o presidente da Câmara não teve a coragem de assumir o peso desta ação prevista
na Constituição e quis passar a batata quente ao plenário. Ou imaginou que o
plenário, diante da estranhíssima situação (ausência de direitos políticos e
deputado cumprindo pena, ainda mais que em regime fechado), chutaria o balde do
corporativismo e votaria pela cassação do mandato. Ou não imaginou que, se o
mandato fosse absurdamente preservado, como foi, a reação social seria tão
forte que ele próprio, presidente da Câmara, teria que vir a público pedir
desculpas à nação, afirmar que o episódio representou “o maior dano” já sofrido
pela Câmara e declarar a esquisita “suspensão” do mandato do deputado-preso,
convocando o suplente.
Os
sistemas de saúde e educação públicos do Distrito Federal estão em situação
desastrosa (como na Bahia e em tantos outros Estados), um inferno para diabo
nenhum botar defeito. Mas o brilho maligno desse evento ocorrido na Câmara dos
Deputados e a apreciação dos embargos do julgamento do Mensalão (com o
surgimento, em um segmento do STF, reforçado por ministros recém-nomeados, de
recuar da posição severa que o STF adotou no julgamento para modificar as
sentenças por formação de quadrilha mediante os legalmente duvidosos embargos
infringentes) podem colocar a impunidade e a corrupção, irmãs gêmeas, como
principal ponto de manifestações que ocorram em Brasília amanhã.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.
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