Quarta, 18 de
dezembro de 2013
Por Ivan de Carvalho

A expectativa geral é de que o projeto de
resolução seja aprovado pela grande maioria dos Estados-membros da ONU, o que
deverá lhe dar certa “força política” para ser usada como argumento de pressão
diplomática e de influência junto à opinião pública mundial em presentes e
futuros debates e negociações. No entanto, se aprovada, a resolução não é
vinculante, não obriga qualquer Estado-membro, tampouco (o que não é o caso)
algum Estado que não seja membro. Seu valor é meramente político e “moral”,
embora, ao se tratar da ONU, convém não envolver a moral, raramente ou quase
nunca compatível com essa organização.
Mas, apesar dessas fraquezas intrínsecas
ao projeto de resolução articulado pela dupla teuto-brasileira (uma dupla que
estrilou por causa do sistema de espionagem comandado pela NSA), há um fato
interessante. Ele é levado à Assembleia-Geral da ONU em um momento de especial
agitação em torno do episódio Edward Snowden.
O
fato principal é que um juiz federal de Washington, em sentença, avaliou que o
armazenamento de grandes quantidades de registros telefônicos feito pelo NSA
viola o direito à privacidade e pode ser considerado inconstitucional. A
decisão foi tomada na segunda-feira e envolve uma parte da bisbilhotagem da NSA
– a telefônica. Da decisão, tomada no âmbito do tribunal distrital federal,
cabe ainda recurso, mas se for mantida pode levar à proibição do armazenamento
indiscriminado de dados de telefonemas privados. O caso não envolve a
espionagem da NSA quanto aos dados de Internet. Foi a primeira sentença da
Justiça norte-americana sobre o assunto. “Não posso imaginar uma invasão mais
arbitrária e indiscriminada do que este armazenamento de dados pessoais sobre
praticamente todos os cidadãos”, afirmou o juiz Richard Leon na sua sentença de
68 páginas, referindo-se a bisbilhotagem telefônica.
Mesmo admitindo recurso, que o Departamento de Justiça está
examinando, a decisão cria dificuldades ao governo americano, pois Edward Snowden,
que trabalhava para a NSA e revelou ao mundo o que o mundo já sabia, mas fingia
que não, enquanto ninguém assumia as informações, vinha sendo acusado de
traidor e agora passa, segundo o sentido da sentença do juiz Richard Leon, a
ser o denunciante de práticas insconstitucionais e violadoras dos direitos
humanos – no caso, o direito à privacidade. A decisão decorreu de queixa de
dois cidadãos contra o governo dos Estados Unidos. Segundo eles, o governo
violou informações pessoais por meio do fornecimento de dados de uma empresa de
telefonia à NSA. O governo argumentou que o monitoramente de informações não é inconstitucional,
por se tratar de questão de segurança nacional, mas não provou. Deverá ficar
impedido de ter acesso (pelo menos, legalmente) aos chamados metadados (dados
sobre uma comunicação, excetuado o conteúdo) e, só terá acesso a estes (como ao
conteúdo de comunicações privadas) com prévia autorização judicial, como prevê
a legislação americana, assim como a brasileira.
O juiz Richard Leon disse que a partir do desfecho deste caso,
juízes e tribunais do país “certamente” passarão a buscar o “equilíbrio” entre
interesses de segurança nacional e o direito à privacidade.
Bem, isso é o que está posto. Mas peço licença ao leitor para
desacreditar de que as denúncias de Snowden e as barreiras representadas pelo
projeto de resolução que a pode aprovar hoje e a sentença do juiz Richard Leon,
adotada ontem, bem como outras que venham a ocorrer no mesmo sentido, sejam
suficientes para inverter a tendência – que considero irrefreável nesta
civilização – ao monitoramento e controle das pessoas.
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Este
artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan
de Carvalho é jornalista baiano.